sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

[0021] Tchalé Figueira, um viajante de mundos e um conto vindo de Cabo Verde

TCHALÉ FIGUEIRA, Mindelo, São Vicente de Cabo Verde, 1953
Na sua juventude, Tchalé correu mundos e teve mil ofícios. A bordo de um navio, conheceu povos diversos e colheu diferentes experiências. O presente conto é delas herdeiro.


NO DESERTO DE SANOKY

No deserto de Sanoky, entre o céu e um sol vindo das forjas do inferno, um forte cilíndrico e as suas guaritas direcionadas  para os quatro pontos cardeais.  Quatro bandeiras esfarrapadas bailam em mastros corrompidos pela intempérie, redemoinhos bailam num canto de ensandecer, vozes do vento numa constante vem de nenhures. Tudo é sonho ou fantasmas de sonhos na desoladora paisagem. Quatro guerreiros nervosos, esperam a vinda dos Atalampos, que, segundo uma lenda, vivem nas estepes onde existem rios, agro verde e animais de caça. Terra de valorosos guerreiros, temíveis,  de grandes espadas, sempre trajados com peles de animais e chifres de veados ornando as suas cabeças.

Um cão selvagem cor de areia corre atrás da sua sombra, no zénite deste dia o horizonte tremeluza e, os quatro guerreiros, apreensivos, aguardam um mito... (ou será verdade?) A terra vermelha num suplício voa em todas as direções, o tempo pára, os quatro homens nervosos nas guaritas escutam o rumor do vento e o bater dos seus corações. Faz hoje trinta dias e trinta noites que aguardam, esperam ser rendidos por soldados do seu exército que virão  dos confins da cidade das areias mágicas, Kalugame, onde mora o seu povo, os Fulangene, inimigos mortais dos Atalampos. 

No limiar da loucura, os vigias esperam... Rendição ou o inimigo? Qual deles chegará primeiro?

Como se de um milagre tratasse,  o azul do imenso deserto de repente abre-se, o vento pára, a poeira assenta, na guarita direcionada para o oriente um dos soldados avista no horizonte tremeluzindo, espectros de pessoas em montadas aproximando-se, que vão crescendo gradualmente. Serão Atalampos? Serão Fulangene? 

Agarrando na corda de um velho sino, no teto do cubículo, o homem da guarita do oriente, nervoso, começa a badalar o sino, alerta seus companheiros pasmados, que subitamente, acordam do seu torpor.

Aproximando-se cada vez mais do forte, o soldado nota que os cavaleiros montados em robustos cavalos têm ornamentos nas cabeças, chifres de veados, um gosto amargo. A morte começa a descer lentamente pela sua traqueia.

5 comentários:

  1. Lindo conto. O requinte literário e a poesia dão-se as mãos para proporcionar um belo momento de leitura a quem se interessar. Tudo temperado com um condimento místico.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Até à data, o CTP publicou sobretudo autores vivos. Mas nenhum deles ainda deu o ar da sua graça. Por que será?

      Abraço
      CTP

      Eliminar
  2. Joaquim, será que há mortes mais matadas que a morte física? Eu tenho vindo aqui comentar porque gosto de literatura. Mas, que diabo, sozinho?

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Caro amigo e acertado e saboroso comentador,

      O que se passa no "Contos da tinta permanente" é o mesmo que acontece no tal blogue famoso que nós bem conhecemos. As pessoas vêm aqui, fazem a sua leitura (isto é, servem-se do que lhes oferecemos) e depois vão à sua vida sem deixarem sequer uma pequena gorjeta (leia-se, comentário). No dia em que colocarmos um conto sobre aquele rapaz que era o dono do BES, vais ver 100 000 furiosos a chamarem-lhe nomes... Havendo sangue, os comentadores surgem logo. Como aqui não há sangue, os comentadores calam-se...

      Enfim, lá no tal blogue, já nem uma palavra deixo sobre o assunto e aqui (excepto desta vez), a mesma coisa. Admiro-me é de a pequena comunidade de contistas já publicados, não dizer nada, como se não existissem. Ou então pensam que se já escreveram os contos, nada mais lhes compete...

      Certo, certo, é que sem publicidade nenhuma, em pouco mais de um mês já tivemos mais de 4000 visitas, o que quer dizer cerca de 118 por dia. Nada mau, portanto. De modo que se os nosso leitores são mudos, não há nada a fazer...

      Grande abraço e em meu nome e no do Nuno, um reconhecido agradecimento
      JS & NR Lda.

      Eliminar
  3. Infelizmente, é como dizes, Ibnmucanapoesia. Não há nada a fazer. Acontece o mesmo em todos os blogues que tratam temas sérios.

    ResponderEliminar