terça-feira, 29 de janeiro de 2019

[0042] Pepita Tristão, em fundo de espionagem

PEPITA TRISTÃO, Castelo de Vide, Portugal, 1951
Pepita Tristão Cardoso, mais uma narrativa onde a ficção acasala com as vivências por ela trazidas das bancas das redacções e onde o absurdo tinge factos recolhidos do dia-a-dia profissional. 
A ficção absorve o ambiente de um pequeno policial mergulhado nas memórias que Cascais conserva dos tempos da espionagem durante a II Guerra Mundial.



UM ESPIÃO NO ATLÂNTICO

Uma fotografia partilhada numa rede social por conhecido historiador cascalense, trouxe-me à memória uma das mais bizarras estórias por mim vivida.
A imagem, captada no Monte Estoril, mostrava o Hotel Atlântico, após a passagem do camartelo do promotor da nova urbanização que em breve haveria de surgir. Por entre as tristes vísceras da esventrada unidade hoteleira, o arqueólogo assinalava um estranho orifício – a entrada da tão falada passagem subterrânea que terá permitido ao proprietário do hotel, no tempo da segunda Grande Guerra, enviar mensagens codificadas aos navios alemães que passavam ao largo.
Não consigo sequer descrever a alegria que me invadiu por – finalmente – alguém ter provado a existência da dita passagem, da qual muita gente falava, e que eu conhecera em circunstâncias bem estranhas. Circunstâncias que eu, como jornalista reconhecida pelo rigor e assertividade, nunca me atreveria a narrar. Sempre me afirmei pelo pragmatismo. Ainda hoje sou uma céptica quanto a casos que a ciência não consegue explicar, como posso acreditar no que me aconteceu naquele dia? No entanto, também me é impossível esquecer a terrível experiência que vivi e, embora não queira falar sobre ela, seja com quem for, a sua recordação constitui um fardo demasiado difícil de suportar, sobretudo agora, que se comprovou aquilo que antes era apenas uma estória sem fundamento. Daí ter-me decidido recorrer à ficção para em jeito de catarse, relatar em forma de conto, os factos por mim vivenciados.
Desculpem os leitores se, por vezes, a linguagem jornalística prevalece, por pura deformação profissional.
Tudo aconteceu quando, há alguns anos, a revista onde escrevo me encomendou uma série de artigos sobre pessoas centenárias. Chegar aos cem anos não é ainda muito vulgar, e nessa época, em Portugal viveriam apenas uns seiscentos idosos nessas condições. Não parecia, pois, muito fácil, encontrar pessoas cujas memórias me permitissem, através das suas histórias de vida, ilustrar o modo como foi vivido em Portugal o Século XX.
“O Século de todas as mudanças” era o título genérico desta aventura jornalística, que depressa demonstrou ser mais difícil de concretizar do que se previa. Isto porque, apesar de contactada por familiares de muitos centenários, que me asseguravam as ótimas condições em que os seus idosos se encontravam, quando chegava o momento da entrevista, acabava por aperceber-me que não era bem assim.
Oito em cada dez dos meus interlocutores obrigaram-me a verdadeiros exercícios de imaginação e a apurada pesquisa, para conseguir relatar as suas histórias. A arreliante surdez que afectava a maior parte deles, falhas de memória, confusões, porfias com os familiares que constantemente os corrigiam ou recontavam os diversos episódios, deixavam-me sempre com imensas dúvidas sobre a sua autenticidade.
Quando já estava decidida a finalizar a série de entrevistas, recebi uma chamada de uma senhora do Estoril a perguntar se gostaria de falar com a sua mãe que, embora fosse de nacionalidade holandesa, tinha vivido a maior parte da vida naquela localidade do concelho de Cascais. Tentei recusar, mas o facto de a senhora em causa ter 103 anos e de a filha insistir que havia tido uma vida cheia de aventuras, pois inclusive, teria pilotado o seu próprio avião de recreio, foi aliciante suficiente para eu anuir, considerando que poderia ser uma oportunidade para encerrar com chave de ouro o meu trabalho.
Combinado o encontro para a tarde, pois no lar onde a centenária vivia, a manhã era dedicada a questões de higiene e saúde, à hora aprazada, lá estava. Fizeram-me entrar numa pequena e acolhedora saleta, onde me esperavam duas senhoras. A mais nova, que parecia ter cerca de 70 anos, ergueu-se para me receber, identificando-se como a pessoa que me contactara pelo telefone. Feitos os cumprimentos, apresentou-me depois à mãe, uma idosa encantadora, que me fitou com uns olhitos vivos e irrequietos.
Como já se tornara habitual, depressa me apercebi que também era profundamente surda, pelo que a presença da filha seria imprescindível para conseguir estabelecer diálogo. 
E foi frente a um chá fumegante e aromático, alguns scones e boiãozinhos de geleia, servidos pelo pessoal do lar, ele próprio muito british, pois a maior parte dos seus utentes eram ingleses, que me fui apercebendo de quem era a minha interlocutora.
- Então, já mora no Estoril, há muitos anos? Comecei por perguntar, mas a minha interlocutora permaneceu muda, limitando-se a seguir-nos com o olhar inteligente e inquiridor.  
 - A senhora está a perguntar há quantos anos vive aqui, no Estoril. - A filha repetiu bem alto as minhas palavras.
Sorriu e encolheu os ombros: - Para mim, é como se tivesse vivido sempre. Era muito jovem quando cheguei a Portugal com o meu marido... fiquei apaixonada por esta costa maravilhosa! O mar... o céu azul... a areia prateada... o sol, sempre presente... - fez uma curta pausa, como que perdida nas suas recordações, mas logo prosseguiu:  
- Nessa época, o Estoril tinha uma beleza agreste. Não lhe resistimos! Este era o local ideal para estabelecermos o nosso lar e constituir família. Até chegar ao Estoril nunca havia criado raízes em lugar nenhum... sempre a saltitar de um lado para o outro. Em pequena, ora estava com os meus pais, ora com os meus avós e depois de casar, corri o mundo todo atrás do meu marido. Não sentia nenhuma terra como minha. De início, ficámos hospedados num hotel, enquanto procurávamos casa. Quando vi aquele palacete sobre o rochedo, virado para o oceano, decidi que aquela casa tinha de ser minha! 
Calou-se, ficando a olhar pela janela, com um ar sonhador. A tarde de início de Outono, era amena. Lá fora o sol brilhava, num céu descoberto. Pensei que era um bom dia para preguiçar no Tamariz, frente a um refrescante sumo de fruta, em vez de estar naquela pequena saleta a tentar dialogar com uma idosa, por muito interessante que ela se pudesse vir a revelar.
- Recorda em que ano isso foi? Perguntei, bem alto, sem que ela desse sinal de me ter ouvido.
- Foi na década de 30... eu nasci anos depois. - respondeu a filha, acrescentando: - Não tenho sequer memória de ter habitado naquele palacete. Eles compraram a casa ao Fausto Figueiredo. Já tinha pertencido ao Visconde de Malanza, mas nesse tempo não era tão grande como é agora. 
Virou-se para a mãe, elevando a voz: - Mãezinha, como é que era a casa quando a comprou?.
A idosa pareceu emergir de um sonho e sorriu. 
- Era linda! Não muito sumptuosa, mas chamavam-lhe palacete ou palácio... palácio Barahona, que era o nome de um dos anteriores proprietários.
Eu e o teu pai gastamos quase todas as nossas economias ao comprá-lo e decidimos abrir um hotel... era uma forma de ajudar-nos a manter a nossa casa... vivemos lá dias muito felizes. 
Calou-se por instantes e prosseguiu com um suspiro:
- Infelizmente gastamos muito com as obras de ampliação e adaptação para as novas funções e, apesar do nosso esforço, fomos obrigados a vendê-la. Adquirimos, então, aquela onde a minha filha vive, que também estava muito bem situada, mas tive muita pena de deixar o hotel!
Por então já me tinha apercebido que estava frente a Vera Mouths, que com o marido, Ferdinand abrira o Hotel Atlântico em 1932. Rapidamente, comecei a tentar lembrar-me do que havia lido sobre o casal.
- Os senhores eram de origem alemã, creio... certamente vem daí a fama de durante a II Guerra Mundial o hotel ser muito procurado pelos alemães.  
Incomodada, a filha foi taxativa - Não. Não foi o meu pai que gerou essas histórias da guerra. O meu avô paterno é que era alemão e até pode ter contribuído para atrair clientes germânicos, mas isso foi antes da guerra. A minha mãe é de nacionalidade holandesa.  
Vera olhava-nos com ar inquiridor.
- A senhora está a perguntar se a mãe é alemã!
- Não. Eu nasci na Holanda. A minha família estava ligada à hotelaria, possivelmente foi por isso que tive a ideia de converter a nossa casa em hotel. Demos-lhe o nome de Hotel Atlântico, por se localizar ali, à beira do mar. O meu sogro ajudou-nos a promover o estabelecimento e angariou muitos clientes, na Alemanha. Chegamos a ter hóspedes muito distintos.
Fitou a filha, como que a pedir ajuda.  
- Lembras-te do nome daquela jornalista muito conhecida? 
- A mãe está a falar da Baronesa Carola von Oertzen de Ilhenburg, que representava alguns dos mais reputados jornais de Berlim... mas tiveram outros hóspedes bem conhecidos... até se contam muitas histórias sobre isso.
- Apesar de tudo, acabamos por ser obrigados a vender o hotel àquele rapaz alemão... o Wortus.
- Há quem defenda que o Hotel tinha uma passagem secreta para a praia, que o proprietário utilizava para controlar o tráfego naval e enviar mensagens aos navios alemães que navegavam ao largo.
- Os meus pais nunca ouviram falar disso, nem descobriram qualquer passagem... apesar de poder ter sido aberta aquando da segunda ampliação encomendada pelo Wortus, mas tanto os meus pais como os nossos amigos sempre estiveram convictos que isso é pura efabulação.
Vera Mouths parecia agora mais animada. 
- Nessa época, Portugal era um País muito bom para se viver, sobretudo quando começou a Guerra... foi  no ano em que tivemos de nos desfazer do hotel... em 1939, não foi, filha?
- Foi sim mãe, em Setembro de 39... eu era bem pequena...
- Logo a seguir ao início da guerra o presidente Carmona declarou a neutralidade dos portugueses... não foi o Carmona, foi o outro senhor que esteve muitos anos no poder...
- Era o Salazar, mãe...
- Sim, esse... foi uma medida muito inteligente, porque Portugal tornou-se o País mais procurado pelos estrangeiros que fugiam à Guerra. Muitos ficavam só de passagem, porque preferiam ir para a América. Hospedavam-se aqui, na Linha, ou em Lisboa, até arranjarem forma de embarcarem num dos paquetes.
- Foi uma época boa para a hotelaria, mas já havíamos vendido o Atlântico... eu convivi com muitos desses refugiados... tornámo-nos amigos de alguns. Íamos à praia com eles, quando a minha filha era pequena... recordas-te?  
- Perante a aquiescência da filha, Vera prosseguiu: A maior parte dos nossos amigos já morreu, mas a minha filha ainda se dá com os descendentes. Nessa altura, a nossa vida era muito complicada, pois podíamos ser chamados para alguma missão em qualquer momento...
A filha interrompeu de forma abrupta: - O meu pai era empresário e tinha negócios em todo o mundo, pelo que estava sempre a ser chamado para resolver problemas, em diversos países. Normalmente, a minha mãe acompanhava-o, não era?
Antes de a progenitora responder, prosseguiu, falando sobre a empolgante vida do casal, testemunhada pelas fotografias que selecionara para me mostrar.
Embora na ocasião não tenha dado demasiada atenção à interrupção, os acontecimentos posteriores, acabaram por me fazer ver sobre um prisma diferente essa forma precipitada de desviar a conversa.
As fotos, a preto e branco, mostravam um casal jovem e bonito. Sempre vestido de acordo com as ocasiões fixadas pela objectiva. Um safari em África... um passeio em trenó no Canadá... um circuito de avião em território americano...
Escolhi algumas daquelas fotos, propondo-me logo dar realce àquela em que se podia ver a jovem Vera a pilotar com ar intrépido uma avioneta negra (ou assim me pareceu). Estava devidamente equipada, vestida também de negro e tinha o marido como copiloto. 
Antes de nos despedirmos, registei algumas imagens de ambas, visto que me tinham pedido para não levar fotógrafo, de modo a não inibir a velha senhora. 
Saí do lar eufórica, não só porque teria oportunidade de encerrar a série de entrevistas com chave de ouro, mas por ter conhecido alguém que preenchia o meu imaginário. Era assim que eu sonhava que teriam sido vividos os “loucos anos 20”! Aquela Vera, em jovem, parecia encarnar todas as heroínas dos filmes de espiões da II Guerra Mundial. Conseguia situá-la na Riviera Francesa e também na Portuguesa, quando refugiados e reis depostos por aqui deambularam. Talvez ela tivesse sido uma espia alemã ou uma agente dupla que utilizasse o seu veículo alado, sabe Deus para que encargos...
Empolgada como estava, e sem vontade para rumar para a capital onde me aguardava o esfumaçado ambiente da redacção, optei por vaguear pelos jardins do Casino, construindo mentalmente a história que iria escrever. Acabei por jantar nas Arcadas do Estoril.
Decidi então ir até ao Atlântico, tentar imaginar como teria sido o Palacete que encantara, há mais de sete décadas, a minha entrevistada. Anoitecia quando estacionei no parque do hotel e depressa percebi que nada restava nele que recordasse um palacete do fim do século XIX, quando a arquitetura de Veraneio ainda imperava por ali. 
Ainda assim, não me apetecendo abandonar o local, rumei até à praia. Queria contemplar aquelas águas que um dia terão sido vigiadas por quem tinha informações a transmitir ou ordens a receber.
Sentei-me numa rocha, observando o vai-vem das ondas, que serenamente se transformavam em branca espuma, confundindo-se com a areia.
Não sei quantas horas ali fiquei, ou se adormeci, porque, quando dei por mim, estava tudo escuro e eu sentia-me enregelada pela aragem agreste que me envolvia. Preparava-me para me levantar quando reparei que algo estava diferente. Não consegui perceber bem o que era... se o hotel,  cujas janelas  iluminadas não bastavam para esconder que à minha volta e mesmo em frente, em Cascais, a luz era escassa. 
- Deve ter havido um apagão – pensei. Mas, apesar de tudo estar escuro, divisei, um pouco mais à frente, no areal, um sujeito que agitava uma lanterna, em direção ao mar. Estranhei, até que reparei que ao longe, na imensidão negra das águas, um pequeno clarão brilhava intermitentemente.  
Tentei vislumbrar algo na indefinida linha do horizonte. A lua, em quarto minguante, não ajudava, mas, mesmo assim, pareceu-me adivinhar o vulto de um navio, por vezes delineado sob o escasso luar.
-Sinais Morse, pensei – recordando as histórias de espiões que tantas vezes ouvi. Mas logo raciocinei e percebi que não poderia ser. Nesta época usam-se os telemóveis... o que não significava que a minha situação não fosse inquietante, pois o mais certo era estar a presenciar alguma atividade ilícita, possivelmente contrabando ou algo pior. Por isso, decidi manter-me quieta e semi- escondida.
Não sei de onde surgiu outro vulto, de gabardina escura, que se dirigiu ao sujeito da lanterna. Começaram a falar e eu achei que era a altura certa para sair dali.
Ergui-me para retroceder, quando os ouvi gritar numa voz gutural. Voltei-me e vi ambos a correr em minha direcção, com um ar muito pouco amigável. Em pânico, comecei também a correr, sem pensar, sequer de onde me vinha a sensação de perigo que me toldava o raciocínio. Sentindo-os cada vez mais perto, apercebi-me que os malditos saltos me dificultavam a corrida, pelo que fiz saltar os sapatos, conseguindo, por fim, distanciar-me.
Maldita ideia! Uma estúpida ponta de rocha meteu-se no meu caminho, fazendo-me tropeçar e estatelar-me na areia! Uma dor aguda fez-me temer ter partido um dedo do pé... mas não tive tempo para  me certificar, pois já dedos de aço me erguiam do solo e me abanavam com violência. “Quem és?”, perguntaram-me em alemão... não respondi. Os escassos três meses que estudei alemão, antes de desistir de germânicas e enveredar pelo jornalismo, não me permitiam falar. De qualquer modo, também preferia fingir que os não compreendia...
O outro já se aproximara e mostrava-se ainda mais furibundo. Dirigiu-se a mim com uma algaraviada indecifrável. Dessa vez, nem precisei de fingir! Quem diabo pensam estes gajos que são? 
Depois de muitas exclamações que me soaram a ameaças e impropérios, pareceram desistir.  
- Acho que estou safa! – pensei – aproveitando para erguer do chão a minha mochila.
Por azar, esta abrira-se e os meus haveres espalharam-se pelo areal. Peguei de imediato no telemóvel, que se iluminara com a queda. Os meus perseguidores olharam, primeiro admirados e logo enfurecidos.
- O que é isso? - perguntou um deles, arrancando-me o aparelho das mãos. Dessa vez entendi e até me esqueci de fingir.
- O meu telemóvel!
- O quê? - insistiram. Só nessa altura me apercebi que ambos trajavam fatiotas estranhas. Pareciam saídos do filme “Casablanca”. 
Ou viajei no tempo, ou estes gangsters são dos Apanhados – pensei. Deve mesmo ser isso... que raio de brincadeira! As minhas coisas continuavam espalhadas na areia e corria o risco de ficar sem elas, pois não se via quase nada. Dei uma gargalhada e gritei-lhes: Basta! Já vi que são dos Apanhados!
Uma estalada foi a resposta do energúmeno da gabardina. A força foi tanta que me deixou atordoada. Quis protestar, mas voltaram a agredir-me enquanto me arrastavam para um buraco escuro.
Pareceu-me depois ser empurrada por um túnel, cujos lados eram iluminados intermitentemente pela lanterna do primeiro indivíduo que vira na praia. Gritei, mas senti um cano duro a pressionar-me as costelas, enquanto me mandavam calar, empurrando-me depois por um corredor até um dos quartos numerados do hotel.
Sentaram-me numa cadeira e dispuseram-se a continuar o interrogatório. Depressa se convenceram que não havia hipótese de diálogo e conferenciaram em voz baixa, enquanto me apontavam uma arma.
O indivíduo da gabardina saiu, regressando passados uns minutos, com outro capanga.
- O que se passa, Wortus? - perguntou o terceiro indivíduo, que usava igualmente elegantes vestes de início do século passado.
Os três afastaram-se um pouco, falando em voz baixa, enquanto manuseavam com estranheza o meu telemóvel. O tal Wortus continuava a apontar-me a arma - começo a acreditar que viajei no tempo!!! - pensei, enquanto observava o quarto, cujo mobiliário antigo em nada destoava das vestes dos meus carrascos.  
A situação era tão estranha, tão inacreditável que continuei convicta tratar-se de uma montagem... No entanto não tive tempo para raciocinar.
O terceiro elemento acercou-se de mim, mostrando-me o telemóvel. 
- Me llamo Hernandez. Entiendes español?
- Um pouco
- Estás metida num grande lio. Mis amigos no mienten quando me dicen que te matan se no lhes disseres quien eres e lo que hacias en la praia.
O espanholês dele deu-me ânimo para me explicar.
- Sou jornalista. Fui ver o mar e devo ter adormecido. Agora, agradeço que me deixem sair, porque deixei cair a mochila e posso ter perdido coisas muito importantes, que necessito recuperar.
O tal Hernandez voltou-se para os outros, falando-lhes em alemão.
- A mis amigos no le gustan los periodistas... para quien trabajas?
- Para a revista “Maravilhas de Portugal”.
- No conosco. De quien es?
- É uma revista de viagens, mas também tem artigos sobre sociedade.
- Nunca ouvi hablar della. Y esto que és?
- Um telemóvel.
- Para que serve?
- Para telefonar, claro! Mas vocês estão a gozar comigo, ou quê?
- Para telefonar como? - perguntou com ar incrédulo.
- Experimente. Marque um número.
O espanhol olhou desconfiado para o pequeno aparelho e voltando-se para os outros, falou-lhes em alemão. Pareceram ficar furiosos, mas ele apontou para os números do telemóvel e acho que os convenceu.
Estendeu-me o telefone e ordenou – Marque usted!
- Para quem?
- Peça à telefonista el número del Hotel.
- Telefonista? Qual é o número? 
- O Hotel és el 25.
Não me parece que esse número exista... a não ser que eu esteja a viver um pesadelo. Certo é que as viagens no tempo também não existem, mas estes homens empenham-se em fazer-me crer que sim... ou pôr-me louca. O melhor é fazer o que me ordenam...
Digitei os números, esperançada em ouvir, do outro lado da linha, uma explicação para esta palhaçada que já ultrapassou todos os limites, mas apenas ouço uma mensagem de que o número não está activo. Mensagem repetida em português, inglês e francês!!!!!!!!!!!!!
- Que se passa? Con quien estas hablando?
Agitados, os outros aproximam-se... como é que eu não reparei que accionara o alta voz? 
Vociferam! O que é que eles querem?
Furiosos, pegam na mochila e despejam-na. Apenas um corta-unhas, as chaves e... as fotos!!!!!!!!!!!
Meu Deus! Onde ficou a minha carteira e a pequena máquina fotográfica? Preciso de recuperá-las antes que desapareçam, cobertas pela areia!
Esqueço-me de onde estou e tento levantar-me. Uma coronhada na cabeça devolve-me à realidade. 
Rosnam palavras ameaçadoras. Mostram-me as fotografias.
- Que piensas que vás a hacer com estas fotos?
-Estive a entrevistar a senhora Vera Mouths. Foi por isso que aqui vim!
- Mentes! O Ferdinand e a Vera não estão em Portugal!
- Acabei de falar com ela – insisti.
Sem dó nem piedade desataram a agredir-me, ordenando que confessasse quem era e o que fazia com aquele aparelho de espionagem.
Como não tinha nada a dizer e eles não aceitavam a verdade, calei-me. Arrastaram-me então para a casa de banho, onde me mergulharam a cabeça na sanita, puxando pelo fio do autoclismo.
Devo ter perdido os sentidos por instantes. Quando comecei a recuperar, os meus carrascos falavam entre si, em alemão. Pouco consegui perceber, mas pareceu-me que falavam do casal Mouths. «Temos de contactar a águia negra. Vê se ela pode regressar ainda esta noite. Provavelmente ela tem conhecimento das atividades desta mulher». Baixaram as vozes, discutindo quase em surdina. Segundo me pareceu não estavam de acordo com o que haviam de fazer comigo.
Começava a pensar que iria morrer ali, do modo mais estúpido que conhecia, quando bateram à porta, com força.
O tal Wortus foi abrir, enquanto os outros se aproximaram de mim, e vendo que estava a recuperar, me mandaram ficar calada.
Um rapazito espreitou com ar amedrontado.
- Senhor! Está lá em baixo a Polícia! Querem falar consigo, porque o Salazar exige que se arreie a bandeira alemã, aqui do hotel.
- O quê? Não percebo nada!
Hernandez foi falar com o miúdo, que pelo tom de voz parecia estar amedrontado. Pretendeu saber como é que o Salazar teria conhecimento da bandeira hasteada e mostrava-se irado pelas ordens do governante.
- Não sei de nada, dizia o miúdo, já a chorar... mas parece que passou por aqui, vindo de Cascais. Parou o carro e disse aos polícias que o seguiam para cá virem...
Maldito intrometido! - Rosnou Hernandez que se apressou a traduzir a conversa aos outros.
Só quando vi a fúria genuína do trio, comecei a compreender que estava mesmo a viver um episódio dos anos 40... como se  isso fosse possível!
Será isto um pesadelo? pensei, beliscando-me. Mas a dor intensa que senti, tal como a água que me encharcava os cabelos e o rosto, fizeram-me ver que estava bem acordada.
Os meus carcereiros mostraram-se atrapalhados. Meteram-me um trapo na boca, ataram-me as mãos à torneira e fecharam-me na casa-de-banho, ordenando-me silêncio.
Assim que os ouvi abandonar o quarto ao lado, tentei soltar os braços, puxando com tanta força que a torneira começou a ceder. Quando, por fim, a arranquei da parede, consegui libertar-me das cordas e retirar o trapo da boca. Procurei, então, abrir a porta com todos os truques que aprendi nas séries americanas. Não é tão fácil como parece mas, por fim, o fecho cedeu e eu saí para o quarto, onde peguei na mochila, no telemóvel e nas fotos espalhadas pelo chão e saí, porta fora. Desci pela escada, atenta a qualquer ruído para me poder esconder. Quando desemboquei no átrio e não vi ninguém na receção, suspirei de alívio, dirigindo-me à portaria.
- Boa noite! Procura alguém?
Estremeci. Aterrorizada, voltei-me, disposta a correr porta fora. Mas, para meu alívio, finalmente deparei com uma pessoa normal, vestindo roupa actual e falando em português! Reparo que o átrio está bem iluminado e acolhedor.
- Não! Estou apenas baralhada! Tenho de ir à praia, porque perdi lá algumas coisas...
- Mas sente-se bem? Está toda molhada e com muito mau aspecto! Foi assaltada?
- Acho que adormeci no areal e devo ter sido atingida por alguma onda... mas tenho de voltar para tentar encontrar as minhas coisas...
- Se precisar de ajuda...
Agradeci. Pelo olhar dele, percebi que pensava que eu tinha bebido demais... mas não havia modo de explicar o que me sucedera. Eu própria estava inclinada a duvidar de mim.
Felizmente, do areal iluminado pelas luzes da Marginal, consegui resgatar os meus pertences em bom estado. Apressei-me, então, a regressar ao estacionamento e, tentando não pensar em nada, acelerei até Lisboa.
Como já disse, nunca falei a ninguém deste episódio que, inutilmente, procurei varrer da minha memória, até ver a foto da entrada da passagem subterrânea no Facebook... 

sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

[0041] Tchalé Figueira, mais um conto

TCHALÉ FIGUEIRA, Mindelo, São Vicente de Cabo Verde, 1953
Multifacetado (pintor, escritor e músico), Tchalé Figueira larga a sua invenção a partir de Cabo Verde até onde a nave da sua imaginação chega no perdido universo.


LIÇÃO DE HISTÓRIA GALÁCTICA NO PLANETA z525vipkx

Bem perto das coisas reais, autonomia ou medo na existência de sermos nós. Fosse pela imortalidade, quiçá valesse a pena vender a alma a deus ou ao diabo, mas tudo é ficção e teologia o que é? No planeta Terra, um menos doido que compreendeu  que os idiotas para existirem na sua miséria existencial precisavam de consolo, fez com que a maioria dos humanos acreditasse na vida eterna, no paraíso e na maldade do eterno sofrimento no fogo do inferno. As estrelas do infinito universo existem vivem e morrem, a poeira cósmica existe neste caldeirão que é  a via láctea movimentando-se em espiral... 

Há milhões de anos, uma vez apareceu, igual a uma esfera ínfima, um planeta chamado Terra. Fantástico! Numa coincidência quântica no caldeirão de sopa cósmica  nasceu o planeta e, após uma evolução de bilhões de anos, foi por aí, crescendo... Numa natural evolução biológica, apareceu vida e durante bilhões de anos esta vida foi evoluindo até chegar a um animal estranho, um símio, um macaco primitivo, que muito, muito mais tarde,  chamaram os antropólogos daquele planeta de Luci... Milhares de anos depois reproduziu-se  um homem Habilis e... muito, mas muito, muito, mas muito mais tarde, o macaco tornou-se falante e gramático, chamou-se a si próprio de Homem... 
Esta interessante criatura que na sua evolução escreveu umas coisas chamado livros, inventou também a palavra humanidade, filosofia que significava "amigo da sabedoria" mas algo nele estava errado. Ele era uma falha de construção...  

Foi este mesmo macaco humano que, apesar de ter criado  coisas bonitas como a poesia, arte, etc, tinha infelizmente algo de ignóbil e reptiliano, destrutivo e um medo primário que ficou no seu cérebro, algo que um macaco da sua espécie chamado Freud, um humano mais inteligente, chamou de subconsciente... Naquele cérebro complexo, os humanos depositavam, entre outras belezas, coisas horríveis não resolvidas que habilmente escondiam, eram maldades mortíferas...

Vivendo com fantasmas não resolvidos durante milhares de anos, os símios gramáticos lutaram uns contra os outros, inventaram algo que chamaram de política, eram vaidosos, adoravam o poder, eram gananciosos  de coisas absurdas, incompreensíveis aqui no nosso planeta. Durante a sua curta existência, lutaram uns contra os outros sem parar...  Mesmo assim, estranhamente, conseguiram evoluir com uma certa tecnologia primitiva e, após séculos e mais séculos crescendo a que intitularam de evolução, inventaram para a sua desgraça o conceito de raça que foi mais um dos muitos desastres na sua efémera existência !!!... 

Desculpem-me meninos deste nosso planeta z525vipx utopia, aqui na via láctea. A história do planeta Terra foi catastrófica... Poderia continuar a contar  a história da Terra que em tempos existiu aqui na nossa via láctea mas já é tarde, tenho que ir descansar... Para terminar, resta acrescentar o seguinte... Em distúrbios mentais e jactâncias, criaram aquilo que chamavam de pátria, bandeiras, hinos e exércitos. O pior foi ao inventaram a mortífera bomba feita de átomos a que chamaram de bomba atómica... Numa das suas absurdas guerras, um dia, carregando em botões, fizeram explodir aquilo que foi o seu planeta e é hoje na via láctea um montão de escombros rodando na imensidão do universo...

Coitados dos terrestres, meninos! Por serem um erro biológico desde a sua génese, morreram todos. É esta a triste história do planeta dos humanos. 

terça-feira, 22 de janeiro de 2019

[0040] Teresa Balté, de novo e de elevador

TERESA BALTÉ, Lisboa, Portugal, 1942
Teresa Balté surpreende-nos com conto pleno de imaginação e humor. Um Chiquinho letrado dá lição a "cuspidor" profissional, a bordo de elevador (ou ascensor) da Carris. 

É este o 40.º post e quase o mesmo número de contos publicados no blogue que esperamos continuar a desenvolver e que vai tendo os seus leitores (e autores) fiéis.

Ver AQUI outro da mesma autora, publicado no Contos da Tinta Permanente.

OS BENEFÍCIOS DA LEITURA

Olá, Chiquinho, boas-tardes – disse o homem, acendendo um cigarro e cuspindo o tabaco que se lhe colara ao lábio.
– Boas-tardes, sr. Alves.
– Então a tua mãe não vem hoje buscar-te?
– Hoje não, sr. Alves, não pôde vir. Teve de ir ajudar uma vizinha que adoeceu.
– Coitada. A Deolinda da loja?
O Chiquinho não deu troco.

– E tu, Chiquinho, és capaz de ir sozinho para casa? Sabes o caminho? Não te perdes? – perguntou o homem soprando uma nuvem de fumo.
– A minha mãe deu-me dinheiro para o elevador. Ponho-me em casa num instante. É muito fácil.
– Cuidado com os automóveis – disse o homem. E, desencostando-se da parede, acrescentou: – Olha, eu tenho de tratar de umas coisas lá em cima, no bairro. Aproveito e faço-te companhia.

Atravessaram a rua em silêncio e subiram para o elevador quase vazio. O homem atirou a beata pela janela, sentou-se e voltou à conversa:
Ascensor da Glória (ou elevador...), Lisboa - Foto Wikipedia
– Então essa escola, Chiquinho? Já conheces as letras?
– Já conheço as letras gradas do jornal.
– O quê? Tão depressa? Não acredito…
– Já sei ler, sr. Alves – respondeu o Chiquinho.

O homem ou não ouviu ou não ficou convencido. Tossiu. Cuspiu para o chão. Suspirou… olhou para a direita e para a esquerda e, no fundo do carro, avistou um pequeno letreiro com uns dizeres.
– Então mostra lá o que sabes – pediu com voz rouca, e espetou o dedo gordo na direcção do aviso. – Vês aquele papel? Vai ler-me o que está além escrito.

O Chiquinho não pensou duas vezes. Levantou-se e foi. Abriu caminho pelo elevador, que entretanto se enchera, parou diante do letreiro e estudou as letras. Por fim, com ar solene e alto e bom som, soletrou: – “A-ten-ção-É-ab-so-lu-ta-men-te-pro-i-bi-do-cus-pir-so-bre-qual-quer-par-te-do-car-ro.-Mul-ta-cem-es-cu-dos.”

Todos se riram. O Chiquinho achou que o caso não era para graças. O elevador pôs-se lentamente em marcha. O sr. Alves engoliu e não deu troco.

Um "primo" do Sr. Alves do conto de Teresa Balté, o "Escarra & Cospe", figura inventada por Carlos Botelho para juntar às ilustrações dos seus "Ecos da Semana" na página final (a 8) do jornal humorístico "Sempre Fixe". A imagem que aqui vemos pertence ao último "Ecos da Semana", de 14 de Dezembro de 1950 (início em 1928), ali acompanhada de todas as outras que deram mais brilho e acinte às criticas semanais de Botelho. Há uma certa desilusão do autor nesta despedida, ao fim de décadas de insistência em centenas de pranchas, pois a crítica ao "Escarra & Cospe" não resultou. Até hoje...

terça-feira, 15 de janeiro de 2019

[0038] Mais um conto de Pepita Tristão

PEPITA TRISTÃO, Castelo de Vide, Portugal, 1951
Na banca dos jornais, Pepita Tristão Cardoso recolhe situações que, mais tarde, povoam os contos que nos oferta. São nacos de vida transcritos para a ficção. São evocações onde a humanidade pulsa, anima, sofre e nos tange com o seu suor.


BODA MOLHADA...

Camila estava sentada no chão, sentindo nas costas a aspereza do tronco rugoso da velha oliveira em que se recostara. O olhar perdido no azul infinito e luminoso, revelava que se perdera em pensamentos longínquos.
O casamento de Isabel deixava-a apreensiva. A primeira a dar o nó fora Conceição que juntamente com Isabel eram as suas melhores amigas.
A São já tinha duas filhas gémeas e parecia não querer ficar-se por aí. Isabel certamente, em breve iria querer também ser mãe, algo que não sucedia com ela.
O seu relógio biológico andaria mais devagar?
A verdade era que nem sequer sentia vontade de criar família. Pugnava muito pela sua independência, gostava da vida que tinha, da liberdade de poder estar ali, no meio do nada, sentada na terra seca do olival da avó, sem ter de dar explicações a ninguém da forma como e onde passava o seu tempo. Gostava de chegar a casa, instalar-se comodamente no sofá a ler um livro e a ouvir as suas músicas preferidas, sem ter ninguém para cuidar excepto a sua Pantufa, uma siamesa cor de mel.
A recordação da Pantufa arrancou-lhe um sorriso indolente, que se foi esvaecendo, à medida que o calor e a quietude a mergulhavam em agradável sonolência.
Sonhou que corria, alegremente, num interminável prado verde, pontilhado de papoulas, sob um sol radioso. Sentia-se incrivelmente leve e feliz, até que as papoulas começaram a crescer, aproximando-se dela, cercando-a, ameaçadoras. Queria fugir, mas não via nenhuma abertura naquele circulo sangrento que parecia querer suga-la. Transpirava, apavorada, quando, ao longe ouviu a voz da avó: - Camila, anda para casa. As tuas amigas já chegaram.


*

O casamento marcado para finais de Outubro preocupava todos, excepto os noivos, ansiosos pelo dia em que a sua união seria - finalmente – oficializada. O vestido de noiva há muito que havia sido idealizado e, fosse Verão ou Inverno, Isabel não trocaria o modelo. Quanto ao fato do noivo, nunca fora preocupação, pois André sempre dissera que o compraria nas vésperas da boda.
Já Conceição, a madrinha e mãe das pequenas gémeas indigitadas como “meninas das alianças”, mostrara-se bastante apreensiva:
- Não sei o que escolher. Tanto pode estar calor como frio, nessa altura. E se chove?
- Se chove? Tem de chover - responde Camila - Nunca ouviram dizer 'Boda molhada, boda abençoada?
Isabel ri:
- Isso é para masoquistas. Não esqueço o dia do casamento da São. Apanhamos uma molha que não deu para esquecer. O meu blazer nunca mais pode ser aproveitado!

*

As pétalas vermelhas da rosa atrevida que lhe ornava os cabelos, começaram a cair, espalhando-se, quais rubis, na areia branca do recinto.
O grupo de músicos abandonava já o palanque, dirigindo-se, também eles, para a mesa lateral onde fora colocado o gigantesco bolo de noiva, enquanto Conceição arrancava a rosa dos cabelos negros, provocando com o movimento brusco a debandada das restantes pétalas que esvoaçaram pelo chão
Talvez por mimetismo, ou por excesso de calor os botões de rosas que ornavam a cúpula da estrutura e durante o dia haviam desabrochado, mostrando as suas pétalas brancas ou vermelhas em toda a sua plenitude e, agora, deixavam-nas agora cair, vencidas pela sede.
Conceição que procurava com o olhar um recipiente onde deixar o pedúnculo da flor, sorriu, encantada, com o tapete, ainda viçoso, que matizava o recinto.
Devagar, encaminhou-se para a zona onde as pessoas aguardavam, de novo sentadas, o champanhe e o bolo que iriam ser servidos, enquanto o animador experimentava os seus mil e um truques para entreter os convivas expectantes e, novamente, despertos para a gula.
Já o serviço de catering retirava os pratinhos com os acepipes entretanto servidos, quando Isabel e André voltaram, trajando mais casualmente, preparados para partilhar o bolo e abandonar, de seguida o recinto, rumo ao aeroporto.
Foi no momento em que André cortava a primeira fatia que o ruído ecoou sobre as vozes dos convivas, e uma enorme bátega de água se abateu sobre a cúpula.
Perante a forte chuvada, depressa se fizeram pequenas poças que, escorrendo, penetraram a zona coberta e arrastaram as pétalas aveludadas, em direcção ao jardim, onde em breve seriam húmus, fecundando a terra que, sequiosa, se abria, à húmida dádiva dos céus.
Divertida, Camila olhou para Conceição exclamando: - Eu bem te disse: tinha de chover! Todos sabem que boda molhada é boda abençoada!

sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

[0037] Nuno Rebocho e mais uma das suas fábulas

À mistura com poesia (muita), crónicas que via desfiando (já dois livros publicados - “Estórias de Gente” e “Estravagários” – e mais dois anunciados – “Quebra-Canela, aventuras & desventuras de um portuga nas ilhas do Cabo Verde” e “Estrada da Beira”), romances e novelas, estudos diversos, o autor concentrou-se num conjunto de contos “para quantos continuaram a ser meninos” a que deu o nome de “fábulas cínicas”. Esta é uma delas.



O CÃO E O SAPO

Mal o sol rompeu, ergueu-se o cão. Aspirou profundamente o ar fresco, abanou a cauda, acocorou-se nas patas de trás e ladrou. Depois, corresposta ao apelo da brisa, vadeou a quinta em rompantes. Assustou a pardalada. Agitou o galinheiro. Despertou os coelhos. O lobo de alsácia era - ficava evidente - dono e senhor. O ladrar afugentava, o vulto amedrontava, o correr aterrorizava.

Diariamente, o sol nascia e tudo o que voava aprontava-se para bater a asa às arremetidas do bicho. Tudo o que tinha pernas aprestava-se a fugir às ofensivas do canino. O animal, apreciado o sabor amplo do poder, saltava, trotava, latia às nuvens. E resfolegava.

O lobo de alsácia impunha-se. Apenas a quem lhe dava a comida e o acorrentava, ele obedecia. Então agachava-se, lambia-lhe as mãos. Aos outros, aos desconhecidos ou no porte inferiores, era demo.

Ora, naquela madrugada, o cão - na praxe de rei no quintal - uma vez mais arremeteu. E correu. Outra vez saltou. E assustou. Triunfante do garbo e da presença, reladrou. Silêncio amachucado, arrepiado, se fez na herdade. Nem vivalma se revelava, acoitada onde pudesse.

De súbito, insólito de impossível, um coaxar irrompeu detrás de um montículo. O bicho estancou, incréu. Espetou orelhas a certificar-se do que ouvia. O coaxar repetiu-se. Entesou o rabo, farejou. Atento, pata adiante, pata atrás, ginasticado, avançou. A espreitar. Para lá do monte, um charco. E ali, descuidado, entretinha-se um sapo em brincadeiras na água estagnada. Indiferente a terrores, mirou o canzarrão. Este aproximou-se. Fez-se o batráquio mais pequeno, mas permaneceu atascado, quieto e tímido.

- Xó, não me ouviste? Atreves-te a ficar, a desafiar-me?, falou com voz de baixo. Mas o sapo, amedrontado, não achou resposta que não sumido coaxo: croac.

O cão recebeu-o no focinho, como ofensa. Se irritado estava, mais ficou. Abriu a bocarra de dentes pontiagudos para o tomar entre as maxilas. O desgraçado não soube o que fazer. No pânico, prestes a despedir-se da vida, coitado, urinou-se.

Foi um esguicho salino e breve o que se entornou pelos olhos do inimigo. Suportando com dor o acre da urina, o cão deu de cego. De rabo entre as pernas, ganindo, ganindo, o lobo de alsácia pôs-se em corrida, de encontrões às árvores.

Inesperadamente salvo, o sapo respirou fundo e comentou para os seus botões:
- Chiça. Olha se eu não tivesse medo...

terça-feira, 8 de janeiro de 2019

[0036] Um conto de João Rafael Dionísio que com ele se estreia nos CTP

JOÃO RAFAEL DIONÍSIO, ?, Portugal, 1971
Da caixa de surpresas contida no seu modo contestatário, João Rafael Dionísio saca os inesperados narrados pela sua ficção. E acontecem pequenos nacos como o aqui apresentado.


LABRIS (LABIRINTO)

o labris era um machado duplo da civilização minóica. quis o acaso ou algo de determinado que esse machado desse o nome ao labirinto em Knossos. nunca foi um labirinto, mas não interessa. foi um palácio que com tantas salas parecia um labirinto. 
eu estive lá.
eu tinha-me especializado em Sociologia da Educação. Interessava-me pelas classes sociais, a distribuição do talento consoante o rendimento, e distinção e o desempenho. os meus estudos iam na linha de valorizar o ambiente familiar em detrimento de um determinismo genético. o adquirido é muito mais forte que o inato.
- vejam-se os chamados grandes génios, eles são produto de sociedades abastadas, aparecem os patronos a distribuir dinheiro e o talento aparece logo, floresceu em Florença, foi assim em Nova Iorque no pós-guerra. 
fui com a Mafalda de férias a Creta. fomos ver Knossos, claro está. chegámos ao pé de uns cornos de betão feitos pelo arqueólogo que reinventou o sítio. Evans. 
- o gajo que fez isto tinha uns grandas cornos!!
ela não se riu. andámos pelas ruínas. o calor parece que vinha de todos os lados. sentámo-nos a olhar para uns pinheiros mansos de grandes copas e de grandes troncos. lembro-me de pensar que aqueles portentos já deviam ter triturado muita peça arqueológica.
ia começar a falar sobre as minhas opiniões sobre o ambiente e a força dos laços reais mais do que os laços de sangue quando a Mafalda diz de chofre:
- estou grávida. 
emocionei-me e coloquei uma mão na barriga dela. pensei que estava mais dura, mas isso devia ser psicológico. 
- mas...
- mas o quê, querida?
- não és o pai. 
senti que o calor me ia fazer desmaiar. vacilei. mas disse de acordo com os meus princípios: 
- assumo a paternidade. isso da genética não me interessa. o que interessa é que estamos juntos e que podemos dar uma educação equilibrada e racional à criança. 
- aceitas a criança como se fosse tua? não ficas com ciúmes ou lhe vais fazer mal?
- claro que não, querida!
depois tirei a mão da barriga dela.

[0035] Olinda Beja apresenta livro infanto-juvenil

Na sede da UCCLA, União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa (Avenida da Índia, 110, Lisboa), no próximo dia 26 de Janeiro, às 15H30, a escritora e poetisa Olinda Beja apresenta o seu novo livro João Balalão, com fotos de José António Chambel, com chancela da Editorial Novembro (geral@novembro.pt). A escritora santomense, com esta produção infanto-juvenil, expressa uma das suas vocações, a de pedagoga. A apresentação do livro é acompanhada pelo músico e intérprete santomense Filipe Santo.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

[0034] Pedro Silva, num conto à beira da morte

No seu isolamento nortenho, Pedro Silva recorda-nos as dúvidas que a todos assaltam quando algo ameaça romper o fio da vida: um conto para pensar…

AQUI ESTOU EU 

Se me perguntassem, há meia dúzia de meses, se estaria nesta situação, ter-me-ia rido a bom rir e jogado na face de outrem que era uma piada de muito mau gosto.

É incrível como era tão jovem há pouco tempo atrás. Tinha vida, força, sentia-me o maior. O maior, acreditam? Invencível… imbatível… imortal!

Que vontade de sorrir, no meio das lágrimas. Imortal. Quão néscio era…Ninguém é imortal. Até há quem diga que Deus está a morrer.

Deus… Deus… Onde estás? Porque fugiste de mim? Voltei a pensar em Deus, após tantos anos pensando que ninguém precisa de Deus. Que me sentia ateu. Uma invenção de meia dúzia de fanáticos, pensava na altura.

Deus não existe, gritava pujante em reuniões de café, junto ao cheiro do tabaco misturado com a cafeína, bem apaladado. E gritava bem alto, para todo o mundo ouvir: Deus é uma invenção!

E agora… meu Deus… que falta sinto de Ti! Porque me abandonaste? Por aquilo que eu dizia? Não é vontade de Deus perdoar? Não é um mandamento divino? Porque não fui perdoado?

Aqui estou eu. Sentado. A olhar para o Céu. Lá em baixo os carros passam, as pessoas deambulam, quiçá de forma errante. Parecem formigas. (Nunca entendi porque se fala em formigas ao referir pequenos seres. E as moscas? Os mosquitos? Seres repugnantes? Talvez. Mas o ser humano não é igualmente repugnante?). Parecem formigas, insectos vulgares, desconhecendo que, tal como eu, não são imortais. E que, tal como eu, podem dizer o que quiserem, mas vão perceber que Deus existe. É real e não perdoa, ao contrário dos mandamentos sagrados.

Porque tanto bulício? Para onde as pessoas? O que querem? O que fazem? Porque não param? Porque não param? Grito: porque não param? Ninguém me ouve. Estou demasiado longe, demasiado longe de tudo e de todos.

Esperem: estarei vivo? Interrogo-me. Faço o tradicional truque de beliscar uma parte do corpo. Dói-me. Não é sonho, nem sono da morte, estou vivo.

Mas estarei mesmo vivo? Isto é viver?

Aqui estou eu. Vislumbro, em poucos instantes, toda a minha vida, todo o meu passado. Afinal de contas, o que fiz? Nasci, cresci, estudei quase duas dezenas de anos. Tirei um curso superior. (Parabéns, disseram-me todos os familiares mais próximo. És um Senhor Doutor.) Namorei com três pessoas diferentes. Não gostei de nenhuma. Gostei de uma outra pessoa, mas essa nunca quis gostar de mim. Sim, nunca quis, foi falta de vontade mesmo. Pois podia muito bem ter sentido amor por mim. Se eu sentia por essa pessoa, porque não era retribuído? 

Na verdade, o fruto proibido é mesmo o mais apetecido. Sempre gostei de quem de mim não gostava. Sempre quis ter aquilo que não podia. Sempre quis fazer coisas para as quais não estava habilitado. E agora também percebo que não sou imortal, o que acreditava piamente há tão pouco tempo.

Aqui estou eu. Nunca estava engripado. Fui ao médico meia dúzia de vezes ao longo da vida. Raramente era vacinado. Para quê? Era forte que nem um touro. Rijo, atlético e saudável. Imortal, talvez… 

Naquele dia apeteceu-me fazer uma análise sanguínea. Curiosidade. Podia ter diabetes, colesterol, algo do género. Não me importava, são doenças comuns, que, bem cuidadas, não fazem muito mal, pensava eu na minha ingenuidade. Até achava engraçado poder dizer aos amigos: sabiam que tenho o colesterol em alta? Logo ali arranjaríamos tema de conversa e oportunidade de brincar um pouco com a vida. Para nós, que somos imortais, brincar com a doença é normal e aceitável. É apenas um mero acidente de percurso numa viagem interminável e imperturbável.

Pois… mas naquele dia os ventos não me correram de feição. AIDS? Perguntei eu ao sujeito de bata branca na minha frente. Como? Não tenho sintomas, sinto-me pronto a correr três vezes a maratona e ainda jogar uma partida de futebol com os amigos.AIDS? Está a brincar comigo, não?

Não… respondeu ele secamente.

Nesse dia deixei de ter vontade de brincar. Percebi que não era imortal. Percebi que Deus existia – caso contrário, eu teria a oportunidade de decidir o meu próprio destino. Também percebi que a minha vida, ao contrário do que eu sempre pensara, não estava nas minhas mãos.

Uma vez só… Uma única! Sem preservativo. Quais as probabilidades disso acontecer? Uma em um bilião? Pois, acontece.

Aqui estou eu.

Lá em baixo o mundo prossegue o seu ritmo perfeitamente natural. Ninguém parou para olhar para mim. Ninguém está preocupado se tenho mais um minuto, um ano ou uma década de vida. Sou perfeitamente insignificante. Não existo para ninguém.

Por isso, mesmo estando aqui, a trinta e tal andares do solo, no topo de um vulgar prédio, de uma vulgar rua, de uma qualquer cidade, sou apenas eu e Deus, que me olha, que me condena, que me faz pensar em tudo o que não fiz e devia ter feito.

Não merecia isto… Ainda sou jovem. Trinta anos. Três décadas apenas. Ainda nem comecei a viver realmente. E agora, quanto tempo me restará? Um dia, um mês, um ano? O médico não quis avançar com datas. Apenas falou que, com a medicação certa, cumprida de forma rigorosa, posso estar muito bem durante muito tempo e que posso levar uma vida quase normal. Ah, e frisou, que o pior não é o vírus que tanto se teme, mas as complicações por ele permitidas, como a entrada de outros vírus num sistema enfraquecido. Tretas! Morremos de AIDS e nada mais. Simplesmente morre-se.

E eu queria ser imortal. Juro que queria…e muito.

Passo os dias a pensar, desde aquela fatídica consulta médica, que eu não irei morrer de AIDS: juro que não vou. Não contei isto a ninguém, apenas em conversas com Deus. E Ele ri-se na minha cara. Diz que ninguém é imortal e que essa doença não tem fuga possível. Será? Retribuo. 

Aqui estou eu. Finalmente todos vão perceber que sou imortal. E não o serei se essa for a minha vontade. Vou contrariar o destino. E vou mostrar a Deus que quem manda em mim sou eu.

Os meses passaram e nunca tive coragem de Lhe mostrar que sou imortal. Por isso estou aqui, sentado a muitos metros do solo, a olhar lá para baixo.

Li certo dia que um suicídio era uma atitude cobarde. Na altura, eu defendia a mesma teoria. É mais fácil matar-se do que enfrentar os problemas.

Agora, aqui, a olhar lá para baixo, percebo que a teoria estava totalmente errada. Acreditem que custa muito mais suicidarmo-nos. Mais fácil é deixar as coisas acontecer, sem participar activamente em nada, ser um peão do destino. Portanto, chegou a altura de mostrar quem manda em mim: eu!

Levanto-me. Olho para cima e digo: vês Deus, vês que sou eu que mando em mim. E sou imortal. Imortal, ouviste?

Olho para baixo. O momento chegou. O mundo não parou de girar. As pessoas prosseguem as suas tristes vidas a um ritmo normal, de sempre, como se não soubessem que eu sou imortal. Vou ser o primeiro a vencer a AIDS.

Estou de pé. Sinto o vento bater forte na minha face. Deus parece querer empurrar-me para trás. Não, nem pensar. Eu sou imortal. Dei um passo em frente.

Aqui estava eu.

terça-feira, 1 de janeiro de 2019

[0033] Para início deste ano de 2019, um belo conto de António Rosa, em estreia absoluta

ANTÓNIO ROSA, Vila Viçosa, Portugal, 1951
Engenheiro e professor apaixonado pelo Alentejo natal, onde desfruta da sua reforma, dedica algum tempo à macro-fotografia, coleccionando fotos de insectos, e também à escultura em madeira. 

Não tem quaisquer obras literárias publicadas e apenas colabora esporadicamente na revista de cultura Callipole (do Município de Vila Viçosa), a cujo conselho de redacção pertence.

Este é um dos seus "contos de gaveta." Outros sairão nos Contos da Tinta Permanente, logo que oportuno.


MÃOS DE ARANHA

João era o seu nome. Pastor a sua profissão, apesar de não ter ainda idade para ser profissional de nada. Ficar na escola, como qualquer rapaz com a sua idade, não beneficiava a família, segundo o pai. Assim, embora poucos, sempre seriam mais alguns escudos que entravam para o parco orçamento familiar, que a época já era de crise, e muita.

João, pelo seu temperamento aquiescente e também pela pouca afeição que tinha à escola, que lhe cerceava a liberdade, pouco se importou com a decisão.

Enquanto as ovelhas pastavam corria atrás dos lagartos, desentaliscava grilos melhor que qualquer um e na pontaria com a fisga ninguém lhe levava a palma. Tocava a flauta, que ele próprio talhara a canivete numa cana e fruía calmamente a natureza até às entranhas, regressando ao casebre já pela noite, acompanhado da Pombinha e do Piloto, os seus melhores amigos.

Um dia, na contagem dos borregos novos faltaram dois. João, embora nada dissesse, já há tempos andava preocupado com a chegada desse dia, pois sabia que a raposa tinha levado um, mas a falta do outro foi surpresa para ele.

A reprimenda do patrão e o desconto na jorna, já de si pequena, foi motivo para uma sova em casa, além das injúrias e imprecações de toda a ordem com que o pai o mimou no seu desleixo.

A sós com a mãe, esta, com a sua natural benevolência e carinho, aconselhou-o a, na próxima época de criação, ir oferecer um borrego ao São João do Monte, aquele santinho que está naquela ermida lá do alto, que ele tão bem conhece e que até sabe onde a chave da porta está escondida. Levaria umas rezas para lhe pedir protecção e sorte no seu trabalho e oferecer-lhe-ia um borrego, por cujo desaparecimento a raposa viria a ser, desta vez, injustamente responsabilizada.

Melhor pensado, melhor feito. Na ocasião própria, já com muitas crias a balir junto das mães, João levou o rebanho pela serra acima e, a meia encosta, deixou-o aos cuidados dos dentes da Pombinha e do Piloto. Agarrou o borrego escolhido e partiu, pelo meio das estevas, para a missão de oferenda ao seu santo homónimo e protector.

Já no interior da ermida, à época ainda não vandalizada, ajoelhou aos pés da pequena imagem rústica de madeira, de aspecto ingénuo, rezou as orações que lhe ensinara a mãe e começou a dialogar com o santo. «– Olha o que te trouxe. Um belo borrego para ti. Só tens que me proteger e ficas com ele. Gostas?» O santo não respondeu. «– Então não gostas?» E nada. Nem resposta. O diálogo era um monólogo.«– És mal agradecido mas mesmo assim aqui o deixo.»

João persignou-se mais uma vez e saiu. O borrego, vendo-se sozinho, começou a seguir o dono. João voltou e disse ao santo: «– Não o queres? Mas hás-de ficar com ele que foi para isso que eu cá vim.» Então atou - com um cordel que trazia no bolso - o borrego à imagem do santo, voltando a sair.

Novamente o borrego o seguiu, puxando cordel e santo, em corrida pela serra abaixo. Diz o João: «– Ai não te aguentas com ele? Agarra-te a uma esteva, mãos de aranha!»