terça-feira, 8 de janeiro de 2019

[0036] Um conto de João Rafael Dionísio que com ele se estreia nos CTP

JOÃO RAFAEL DIONÍSIO, ?, Portugal, 1971
Da caixa de surpresas contida no seu modo contestatário, João Rafael Dionísio saca os inesperados narrados pela sua ficção. E acontecem pequenos nacos como o aqui apresentado.


LABRIS (LABIRINTO)

o labris era um machado duplo da civilização minóica. quis o acaso ou algo de determinado que esse machado desse o nome ao labirinto em Knossos. nunca foi um labirinto, mas não interessa. foi um palácio que com tantas salas parecia um labirinto. 
eu estive lá.
eu tinha-me especializado em Sociologia da Educação. Interessava-me pelas classes sociais, a distribuição do talento consoante o rendimento, e distinção e o desempenho. os meus estudos iam na linha de valorizar o ambiente familiar em detrimento de um determinismo genético. o adquirido é muito mais forte que o inato.
- vejam-se os chamados grandes génios, eles são produto de sociedades abastadas, aparecem os patronos a distribuir dinheiro e o talento aparece logo, floresceu em Florença, foi assim em Nova Iorque no pós-guerra. 
fui com a Mafalda de férias a Creta. fomos ver Knossos, claro está. chegámos ao pé de uns cornos de betão feitos pelo arqueólogo que reinventou o sítio. Evans. 
- o gajo que fez isto tinha uns grandas cornos!!
ela não se riu. andámos pelas ruínas. o calor parece que vinha de todos os lados. sentámo-nos a olhar para uns pinheiros mansos de grandes copas e de grandes troncos. lembro-me de pensar que aqueles portentos já deviam ter triturado muita peça arqueológica.
ia começar a falar sobre as minhas opiniões sobre o ambiente e a força dos laços reais mais do que os laços de sangue quando a Mafalda diz de chofre:
- estou grávida. 
emocionei-me e coloquei uma mão na barriga dela. pensei que estava mais dura, mas isso devia ser psicológico. 
- mas...
- mas o quê, querida?
- não és o pai. 
senti que o calor me ia fazer desmaiar. vacilei. mas disse de acordo com os meus princípios: 
- assumo a paternidade. isso da genética não me interessa. o que interessa é que estamos juntos e que podemos dar uma educação equilibrada e racional à criança. 
- aceitas a criança como se fosse tua? não ficas com ciúmes ou lhe vais fazer mal?
- claro que não, querida!
depois tirei a mão da barriga dela.

1 comentário:

  1. Acho que o encontrei, por fim. Tenha lá paciência com as cabeças jurássicas...

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