terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

[0044] Amélia Dalomba, um história angolana

Da escritora Amélia Dalomba, uma história bem angolana: fala de meninos, de rios, de mar, do vasto mar de Angola.

NSINGA – O MAR, NO SIGNO DO LAÇO

I

Chegava a cada dois anos vestido de branco, como um príncipe dos muitos livros e cadernos que trazia, estes últimos que tanto jeito faziam à mamã para embrulhar ginguba e micates nas suas folhas arrancadas sempre do meio, para segundo ela, “o caderno não chorar".
Eu gostava de ver o tio chegar!
A miudagem toda em volta dele, os adultos ajudando a transportar as bicuatas . Era uma festa.
A casa ficava cheia de embarcadiços que andavam de porto em porto e contavam estórias, dando presentes.
O que eu mais gostava era quando o tio, com o olhar sério, perguntava ao meu pai: “Mano, como vão os meninos na escola"?, acariciando-nos com o olhar, como se fôssemos o único propósito das suas canseiras. Ele mandava sempre o dinheiro para os nossos estudos; éramos dos poucos meninos, no nosso bairro pobre, que estudávamos sem isenção de propinas e andávamos calçados. O tio cuidava para que nada nos faltasse. Éramos sete meninas e dois rapazes.
Não sei porque razão não tinha filhos, mas casara-se, diziam os mais velhos, no Brasil com uma linda senhora de cabelos tão negros e compridos que suas tranças pareciam duas longas lianas floridas em cada lado do rosto. Eu cheguei a sonhar com ela, mas aparecia sempre em sonhos com o rabo de peixe, como uma sereia pelo que não contava para ninguém. Como é que afinal, a mulher do tio habitava misteriosamente as águas salgadas, do outro lado do bairro onde morávamos?


II

Nós vivíamos entre o rio e o mar. A mãe proibia-nos de tomar banho nas águas salgadas da praia, porque, dizia perigosas demais para as crianças pequenas; mas Futi adorava tanto aquelas águas que, quando entrava o cheiro da maresia pelas persianas da nossa linda casa de madeira à beira da estrada grande, onde passavam os camiões carregados de toros de madeira, ela deixava soltar num suspiro: “Lando, um dia vou mesmo tomar banho no mar..." 
Sabíamos, ela e eu, ser isso precisamente o que nunca deveria fazer, segundo nossos pais, até atingir a idade de entrar no tchikumbi, ao que eu advertia: “se voltas a dizer isso, vou queixar à mamã". Ela, com um sorriso estranho nos lábios, sempre resmungava: “humm, queixinhas, estava só a brincar"...
Passara-se, pelo menos, mais de um ano desde a última vinda do tio e a nossa vida voltara a monotonia de sempre, quando vozes estridentes se fizeram ouvir:
“Futi se afogou socorro, socorro; Futi se afogou..."
Suas coleguinhas, ainda sujas de areia da praia e batas molhadas, traziam os pertences de minha irmã querida, de apenas sete anos: a pasta da escola, a bata e um par de sandálias castanhas muito usadas, com a marca de seus dedos bem marcados".

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