sábado, 21 de maio de 2022

[0130] Dois textos de José Manuel Oliveira (2)

DEPRESSÕES...

Durante uma revisitação aos chamados filósofos “neo-platónicos” de Alexandria, fiquei a saber que o fundador daquela corrente, Plotino, nascido de pais romanos no Egipto cerca de 203/4 d.C., tinha como discípulo principal e seu devoto seguidor Porfírio, o qual escreveu uma biografia do grande filósofo assim como igualmente transmitiu os seus escritos, ficando a dever-se-lhe em parte o pouco que se conhece a seu respeito. Ora, em 268, segundo se consta, Porfírio caiu numa enorme depressão, chegando mesmo a desejar suicidar-se, ao que teria sido dissuadido por Plotino, que o mandou ir “dar uma volta”, conselho que seguiu, resolvendo tirar umas férias na Sicília...Nada melhor, hem? Só que foi num retiro... nem pensem que havia casinos!

Precisamente por a mesma altura em que investigava estes registos, e durante uma ida à rua em direcção ao café, fui abordado por duas simpáticas senhoras junto ao edifício da C.G.D., que me perguntaram se eu tinha problemas de depressão, se conhecia alguém que tivesse, até mesmo se tinha conhecimento de algum caso próximo ou familiar, ao que eu respondi que não senhora, tendo elas de seguida estendido na minha direcção um ou dois pequenos panfletos, ao mesmo tempo que perguntavam: "Já conhece esta revista?" Voltei a responder pela negativa. "Não quer ficar com uma?" Muito obrigado, agradeci educadamente, e lá segui caminho. 

Ao que parece, o problema é muitíssimo antigo, pensei, embora já o soubesse. O que acontece porém, é que durante os últimos tempos, independentemente do tipo de civilização (errada) que se criou, a coisa agravou-se muitíssimo devido à desregulação psicossocial instaurada durante e após a pandemia, tal como a perda do horizonte referencial da chamada realidade e também da história, a qual como se sabe acabou. É que agora encontramo-nos no absoluto da simulação, e quem não estiver preparado para isso está em constante estado de choque  se assim me posso exprimir, pois já não há o Mito a que se possa recorrer como catarse (ficou do outro lado da história), e por conseguinte as massas caíram nas redes.

No entanto, penso que já anteriormente e por razões que desconheço, a “febre” das viagens atingiu níveis inconcebíveis. Basta atentarmos um pouco (escassos minutos) num programa televisivo muito popular como o «Jocker», para desde logo verificarmos o fenómeno, logo que o divertido apresentador do mesmo se atreve a perguntar a algum(a) dos concorrentes o que fariam com determinada quantia em dinheiro, caso ganhassem. A resposta –  invariavelmente e com raríssimas excepções – é imediata: "Uma viagem". 

Se há coisas com as quais não gosto de brincar, evidentemente, é com as depressões dos outros, ou de todas as pessoas que eventualmente as possam vir a ter...

Contudo, isto levou-me a pensar que efectivamente, ou anda tudo deprimido, ou há aqui uma enorme coincidência de desejos...

Agustina Bessa Luís disse um dia, já não sei bem em que contexto, que “As agências de viagens foram feitas para pessoas infelizes” , e eu, embora possa parecer suspeito devido ao facto de não atribuir qualquer espécie de importância a viagens, estou absolutamente de acordo com a ilustre escritora. Acontece que tenho um conceito de viagem, no meu caso, é claro, talvez mais próximo do sec. XIX, onde as verdadeiras viagens eram difíceis e atribuladas, os próprios meios de locomoção bastante mais raros e lentos, a própria preparação muito mais empolgante, as expectativas maiores, e os trajectos muito mais imprevisíveis : eis a ideia de viagem que eu tenho. Um jipe, uma expedição, enfim uma verdadeira aventura. 

Hoje em dia torna-se para mim um verdadeiro suplício dirigir-me a um aeroporto, onde tenho de aguardar horas numa fila, até que uma determinada barraquinha de terminal resolva abrir um janelo, - os funcionários escasseiam -  para de seguida ser encaminhado através de ínvios corredores com bichas em caracol, para no final de tudo isto ser apalpado, despido, passado a pente fino, sendo despojado de tudo o que brilhe ou que tilinte, para de seguida correr como um louco atrás dos meus haveres com medo de os perder de vista, como se tudo aquilo fosse uma espécie de “jogos sem fronteiras” para atrasadinhos mentais. Uma humilhação, eis as viagens de hoje, que eu sinceramente abomino. Passo em branco a hipótese de uma greve, pois aí tudo o que atrás mencionei será agravado e dilatado até aos limites da estupidez...

Mas entretanto afastámo-nos do tema principal, ou seja, das depressões, desde a época do Porfírio até à nossa pelas mais diversas causas, ou talvez não. Vistas bem as coisas estão relacionadas desde a antiguidade mais remota com as viagens. 

Depois, é claro que existem diversos graus onde todas estas coisas se encadeiam, e iremos sempre encontrar pessoas que até mesmo pela sua condição profissional têm necessariamente de viajar em serviço, ou ainda outras que poderão ter escolhido um destino cuja finalidade não é propriamente a viagem em si mas a estadia durante um determinado período num lugar qualquer dos seus sonhos ou da sua preferência para descansar, o que é sem dúvida um direito inalienável.

Talvez o que mais aflige, seja realmente o caso daqueles que andam constantemente a fugir de si  próprios, com enormes dificuldades em se confrontarem, pois aí reside o problema e as causas das depressões. É que se não se confrontam com o problema sentados no sofá lá de casa, ou diante de um simples copo, não será na Tailândia nas Maldivas ou na Austrália que se verão livres dele, por mais diversificada que seja a paisagem em seu redor, por mais rajadas de selfies que disparem ou pastilhas anti-depressivas que tomem. 

Repentinamente, não sei bem porquê, veio-me à  memória uma cena do filme “Blow Up”, durante a qual um grupo de jovens no interior de um ringue ao ar livre está a jogar uma partida de ténis imaginária, seguindo os movimentos da bola (inexistente) com a cabeça. Às tantas dirigem o seu olhar para o exterior, tal como se a dita e hipotética bola tivesse saltado a cerca de rede em volta indo cair aos pés do actor principal, um fotógrafo que na altura por ali passava, ficando todos na expectativa para que este lhes fizesse o favor de lhes devolver a bola que não existiu nunca. Ou será que para aquela gente existiu? O que estava do lado de fora, percebendo, entrou no jogo, simulou o gesto de quem apanha um objecto do chão, e esticando o braço arremessou a bola para o interior do ringue, tendo o jogo continuado. Isto tudo, sempre em silêncio. 

Neste momento, nós somos o tal fotógrafo  que ia  passar. Ou entramos no jogo e percebemos o que se está a passar ou corremos o risco de entrar em depressão...porque se a “realidade” era assim naqueles anos, a realidade para muita gente nos tempos que correm , quer tomem quer não tomem pastilhas, pode ser ainda mais complicada, mais ainda quando cada um de nós tem a nossa... 



Sem comentários:

Enviar um comentário