A ARTE DE NADAR CONTRA A MARÉ
A minha vida prepara-se para mudar. Muda sempre aliás. Porém, em certos momentos, as mudanças são tantas e tão brutais que nos deixam sem chão.
Há muitos anos tive a tentação de escrever um conjunto de poemas em torno do conceito da “Natação”. As razões desta intenção eram sobretudo existenciais. Tentaria descrever poeticamente o movimento possível num meio menos natural a um bípede terrestre: a água.
Semanticamente, esta substância representa a insegurança, a instabilidade, o perigo eminente. Mas não só, a ação massiva dos fluxos líquidos também nos sugerem purificação: o batismo, o dilúvio, a remoção da sujidade. E talvez devido a esta ambivalência entre a instabilidade e a renovação, surja-me novamente no espírito estes conceitos em torno da água, da sua ação e da nossa relação com ela.
Todos os que já tentaram enfrentar uma corrente marítima forte, conhecem a dificuldade em chegar à margem segura, à solidez, à vida sustentável. Se a corrente é forte e deixa-nos cansados, começa a crescer a vontade de deixar-nos ir nela.
O segredo para alcançar a margem está realmente em não contrariar em absoluto a corrente. Devemos, sim, tentar direcionar, aqui e ali, subtilmente, o corpo na direção da praia, onde a vida continuará apesar de tudo.
Dizem que as crises são oportunidades. As marés também. Talvez esta seja daquelas que nos puxam para o largo. Outra haverá que me atirará à praia.
Amadora, 25 de julho de 2024