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quarta-feira, 31 de julho de 2024

[0140] "A arte de nadar contra a maré", texto de Luís Palma Gomes


A ARTE DE NADAR CONTRA A MARÉ

A minha vida prepara-se para mudar. Muda sempre aliás. Porém, em certos momentos, as mudanças são tantas e tão brutais que nos deixam sem chão.

Há muitos anos tive a tentação de escrever um conjunto de poemas em torno do conceito da “Natação”. As razões desta intenção eram sobretudo existenciais. Tentaria descrever poeticamente o movimento possível num meio menos natural a um bípede terrestre: a água.

Semanticamente, esta substância representa a insegurança, a instabilidade, o perigo eminente. Mas não só, a ação massiva dos fluxos líquidos também nos sugerem purificação: o batismo, o dilúvio, a remoção da sujidade. E talvez devido a esta ambivalência entre a instabilidade e a renovação, surja-me novamente no espírito estes conceitos em torno da água, da sua ação e da nossa relação com ela.

Todos os que já tentaram enfrentar uma corrente marítima forte, conhecem a dificuldade em chegar à margem segura, à solidez, à vida sustentável. Se a corrente é forte e deixa-nos cansados, começa a crescer a vontade de deixar-nos ir nela.

O segredo para alcançar a margem está realmente em não contrariar em absoluto a corrente. Devemos, sim, tentar direcionar, aqui e ali, subtilmente, o corpo na direção da praia, onde a vida continuará apesar de tudo.

Dizem que as crises são oportunidades. As marés também. Talvez esta seja daquelas que nos puxam para o largo. Outra haverá que me atirará à praia.

Amadora, 25 de julho de 2024

quinta-feira, 6 de abril de 2023

[0136] Peça "Último Castro Antes de Roma", de Luís Palma Gomes, premiada em várias categorias, pelo Prémio Mário Rui Gonçalves da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira

Foto de Filipe Silva

"Último Castro Antes de Roma" ganhou 6 prémios e duas menções honrosas do Prémio Mário Rui Gonçalves, organizado pela CM Vila Franca de Xira, com o intuito de promover o teatro amador na região da grande Lisboa. 

A cerimónia de entrega dos prémios decorreu no Museu do Neorrealismo, em Vila Franca de Xira, a 25 de Março de 2023.

Ei-los:

        Melhor Encenação: Miguel Galamba | Teatro Passagem de Nível da Amadora – Espetáculo “O Último Castro Antes de Roma”

        Melhor Interpretação Masculina: Zuzimo Morato| Teatro Anzol Castiço de Odivelas – Espetáculo “Auto da Cananeia”

        Melhor Interpretação Feminina: Beatriz Cazenave | Teatro Passagem de Nível da Amadora – Espetáculo “O Último Castro Antes de Roma”

        Melhor Cenografia, Prémio ex-aequo: João Simões | Teatro Anzol Castiço de Odivelas – Espetáculo “Auto da Cananeia” e Paulo Oliveira | Teatro Passagem de Nível da Amadora – Espetáculo “O Último Castro Antes de Roma”

        Melhor Guarda-Roupa: Inês Peres | Grupo D’Artes e Comédias do Grupo Desportivo do Banco de Portugal – Espetáculo “IVONE – Princesa de Borgonha”

        Melhor Iluminação: Porfírio Lopes | Teatro Passagem de Nível da Amadora – Espetáculo “O Último Castro Antes de Roma”

        Melhor Sonoplastia: Beatriz Almeida e Miguel Galamba | Teatro Passagem de Nível da Amadora – Espetáculo “O Último Castro Antes de Roma”

        Menções honrosas

        Interpretação Masculina – Pedro Gomes | Teatro Passagem de Nível da Amadora – Espetáculo “O Último Castro Antes de Roma”

        Guarda-Roupa – Paulo Oliveira | Teatro Passagem de Nível da Amadora – Espetáculo “O Último Castro Antes de Roma”

quinta-feira, 26 de agosto de 2021

[0121] Curto texto de Luís Palma Gomes, na rentrée ainda mascarada, de mais um ano com disfarce


REGRESS0

Encontramos a cidade ainda meio adormecida. Os estacionamentos parecem bocas desdentadas. Para reiniciar as máquinas, basta carregar no botão. As pessoas têm uma matriz natural: espreguiçam-se, lavam os olhos, bocejam e tomam depois o primeiro café devagar a olhar o infinito interior. A cidade também regressa assim, aos solavancos, como um corpo que deixou os seus órgãos a funcionar apenas para se manter viva enquanto dorme.

Passo em revista as tarefas, as rotinas e os compromissos profissionais. Sinto-me um toureiro que antes da corrida espreita um a um os touros que vai lidar, com um misto de temor e desejo.

A respiração acelera. Recordo ainda o silêncio e as águas de agosto; as caminhadas; os passeios; as praias e os museus; as pessoas que conheci e que não sei se voltarei a vê-las.

«Parar, começar, parar, começar”, lembra-me o som de uma máquina a vapor. Tem ritmo. Tem vida. Vamos a ela, companheiros.

segunda-feira, 15 de março de 2021

[0115] "Matafísica, um estudo de caso", short story de Luís Palma Gomes


METAFÍSICA, UM CASO DE ESTUDO

A tarde era de março, solarenga e chuvosa.

Talvez porque a instabilidade dos elementos instigava à ação – ainda que esta pudesse ser apenas pequena e moderada – fugi dos caminhos alcatroados do jardim, desviando-me por um atalho pisado entre ervas que me levaram a uma ribeira.

Devido às chuvas, a corrente pulsava nervosa e alegre entre as pedras que pontuavam um caminho entre as margens. Veio-me a vontade de atravessar ali mesmo. Tracei mentalmente uma rota possível pedra a pedra e lancei-me à empreitada. Já os pés saltitavam pelas primeiras pedras, quando me senti desequilibrado e hesitante sobre qual a pedra onde deveria pousar a próxima passada. 

A água trepava agora lentamente pelos ténis acima. Vislumbrei ao meu lado um caniço que se sobrepunha horizontal à ribeira. Era tão enfezado e quebradiço que tinha como única função servir de poleiro às toutinegras que caçavam mosquitos por ali. Ainda assim, com a mão direita agarrei-me a ele. Com surpresa, notei que aquele corpo estreito e frágil deu-me uma confiança inesperada.

Senti-me seguro outra vez e sem mais delongas segui pedra a pedra até à outra margem sempre com o caniço dentro da mão.

Quando lá cheguei, perguntei-me: se não foi a solidez do caniço que me garantiu a estabilidade durante a travessia, o que foi? Tinha sido algo de imaterial, um sentimento, uma aliança entre as forças invisíveis que me habitavam e rodeavam. Creio que é a isto que os filósofos chamam de metafísica.