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terça-feira, 21 de junho de 2022

[132] Três textos/contos/memórias de José Manuel Oliveira

DUAS HISTÓRIAS (verídicas) COM BÊBADOS E JORNALISTAS E AINDA UMA OUTRA SURREALISTA (igualmente verídica) MAS JÁ MAIS PRÓXIMA DOS NOSSOS TEMPOS

A primeira foi-me em tempos relatada por um antigo colega de emprego, que tinha anteriormente trabalhado num jornal - durante o antigo regime -, chamado «Diário da Manhã».

À entrada da porta das instalações do dito jornal e no exterior, ou seja, na rua, encontrava-se sempre um porteiro fardado, o qual controlava mais ou menos as entradas, prestando também algumas informações úteis a todos aqueles que por qualquer motivo desejavam ter acesso ao interior do edifício. Não me recordo o seu nome, embora na altura em que me foi relatado o episódio em causa, esse meu colega até o tenha mencionado.

Descrevia-o porém, como um indivíduo alto, encarniçado e corpulento que tinha por hábito empertigar-se sempre bem encostado –o termo preciso é “colado” - à parede e puxando ligeiramente o boné para os olhos, dando várias vezes a sensação de estar com eles meio fechados.

Ora, acontece que numa porta mesmo ao lado da entrada do dito jornal , funcionava uma tasca daquelas bem típicas lisboetas, que entraram em vias de extinção há largos anos, e a respeito das quais já se realizaram até algumas reportagens e tentativas de recuperação de muitas delas - Vide aquela célebre foto de Fernando Pessoa apanhado em "flagrante de litro", pois a tasca em questão nesta história fazia ainda parte dessa família de saudosos estabelecimentos lisboetas.

Consta então que o nosso amigo porteiro, de tantos em tantos minutos, e quando a afluência humana era praticamente nula – sendo ele um óptimo conhecedor dos hábitos de entrada e saída dos funcionários, – esgueirava-se entrando na porta ao lado, em segundos , e segurando (isto segundo a descrição do meu colega) com agilidade em ambas as mãos num “de três”, uma delas amparando carinhosamente a base bem sólida e pesadona em vidro daqueles antigos copos, inclinava-se para trás e deitava abaixo mais um, regressando de um só fôlego ao seu posto, colando-se de novo à parede.

Ao que parece, tais peripécias chegaram aos ouvidos do director do jornal, tendo este um belo dia, resolvido perpetrar um plano de forma a testar os conhecimentos e a lucidez do seu fiel funcionário. Resolveu assim chegar pelo meio da manhã, o que era muito raro, e encaminhando-se em passo descontraído em direcção à porta de entrada, lá estava como sempre o nosso amigo. Aproximou-se então e atirou à queima roupa : «Bom dia! Sabe-me dizer se o senhor director já entrou?»

«- Foi pessoa que ainda hoje não vi.» - respondeu o outro numa voz arrastada do alto do seu posto de trabalho...


A outra história teve lugar na Rua do Carmo, nas antigas instalações do «Primeiro de Janeiro», e foi-me relatada pelo meu pai que era técnico de comunicações especializado em teleimpressoras (as máquinas que antecederam o FAX ) ao serviço daquele jornal na altura, embora fosse funcionário efectivo dos CTT .

Era ali logo no início da Rua do Carmo, quem sobe e do lado direito, que se abria um amplo e escuro vão de escada quase sempre aberto dia e noite, o qual dava acesso a um primeiro andar elevado, onde se situava a redacção do «Primeiro de Janeiro». Havia também uma pequena janela na empena norte, a qual se debruçava sobre a Rua Primeiro de Dezembro e sob a qual figurava ainda há poucos anos o dístico “Primeiro de Janeiro”, sendo aí mesmo, na sala correspondente, que estavam instaladas as teleimpressoras, onde o meu pai (o Oliveira) e o Peixoto, velho colega e amigo, exerciam a sua profissão, alternando-se nos turnos da noite, de uma maneira geral até perto da uma hora da madrugada.

Recordo-me bem das diversas salas com as suas pesadas secretárias em madeira, apetrechadas ainda com tinteiros e mata-borrões, do cheiro a tabaco impregnado nos tetos e paredes, e até de alguns dos colegas desses tempos. A minha mãe a conduzir-me pela mão a caminho de alguma passagem de ano, sempre que o meu pai se encontrava de serviço em alguma dessas ocasiões, os outros colegas e respectivos familiares pelas mesmas razões, abria-se uma garrafa de espumante, cada um levava um bolo- rei, outros as passas, outros o vinho do Porto, outros ainda diversos acepipes, e dessa forma lá se passava a meia-noite com quem inevitavelmente estava escalado para essa data.

Ora, foi precisamente naquele vão de escada que dava acesso ao jornal, que o indivíduo se infiltrou, sabe-se lá vindo de onde ou o que já tinha bebido pelo caminho. Muito provavelmente teve necessidade de aliviar a bexiga, e aquele era o sítio perfeito . Recordo-me que a escada era antiga e escura formando um recanto ainda mais sombrio, sendo os degraus em madeira. Ao chegarmos ao patamar do jornal, deparávamos com duas portas-batentes de vidro branco e fosco a meia altura que se empurravam exactamente como nos saloons dos westerns. Ambas tinham gravadas em letras vermelhas «Primeiro de Janeiro», seguindo-se um pequeno vestíbulo e uma primeira porta de entrada que dava acesso à primeira sala onde se encontrava sentado à secretária o Cortes, de óculos, bigodinho, indivíduo de constituição magra e nevrótica, porém sempre afável e bem disposto. Seguiam-se o gabinete do Assunção, um tipo corpulento a dar para o gordo, também ele sempre simpático e brincalhão, e mais para o interior, uns outros tantos incluindo o do director do jornal – na altura o Pinto Quartim (pai da actriz Glicínia Quartim) – até chegarmos à tal sala das comunicações onde estava o meu pai, e que tinha vista para a rua Primeiro de Dezembro.

Uma bela noite, estando tudo a decorrer dentro do previsto, o indivíduo em questão subiu as escadas, empurrou as portas em vidro, atravessou o vestíbulo, e enfiando a cabeça à entrada da primeira porta (sem ser visto) onde se encontrava o Cortes , fez, "- Piiiiiiiu...!" e virando costas fugiu escadas abaixo. O Cortes, encontrando-se absorvido na sua escrita e no seu trabalho, sobressaltou –se, atirou um pulo começando a chamar pelo Assunção: "- Ó Assunção! Ó Assunção! chega aqui que está aqui um gajo que é maluco!".

O bom do Assunção lá veio em socorro do outro, mas quando lá chegou, nem sombras...

Passado o sobressalto e após o relato que o Cortes fez da situação, todos regressaram ao seu trabalho, não se pensando mais no assunto.

Nem se tinha passado ainda meia hora, quando, sob o mesmo cenário, todos se encontravam concentrados no seu trabalho e já esquecidos do incidente. Ouviu-se um ligeiro ranger de portas, um leve arrastar de pés, e eis que surge uma cabeça (sem nunca se deixar ver) onde continuava o Cortes à sua secretária, ouvindo-se : "- Piiiiiiiiiuuu!"

"- Ó Assunção Ó Assunção cá está o gajo!" – gritou o Cortes. E uma vez mais, quando o Assunção lá chegou, já o indivíduo ia escadas abaixo... 

Como devem calcular, ainda hoje estamos para saber quem seria a figura em questão.

O Cortes era a antítese (física) do Assunção. Um, corpulento pesado e bonacheirão, o outro magro, macilento e um bocado nevrótico. Ora, no dito vestíbulo, recordo-me de facto da existência de um bengaleiro onde todos deixavam os seus casacos. Contava o meu pai que durante um Inverno frio e chuvoso, o Cortes saiu de serviço, enfiou o primeiro casaco que encontrou à mão e foi-se embora. Não era pessoa que reparasse muito detalhadamente naquilo que vestia. Porém quando já ia bastante afastado do emprego, reparou de facto que as mangas do dito casaco lhe tapavam as mãos, mas como já estava perto de casa, não se desmanchou, pensando – e bem – que no dia seguinte logo tudo se resolveria e os casacos voltariam aos respectivos donos. Em situação mais embaraçosa, porém, ficou o Assunção que, como devem calcular não lhe servia o casaco do Cortes, por mais que tentasse mesmo com muita boa vontade, contando o meu pai que no dia seguinte aquele não se calava e não parava de invectivar este último: «- Arranjaste-me a bonita. Fizeste-me atravessar o Rossio em mangas de camisa com este tempo.!» (estamos a falar de uma época diametralmente oposta à que vivemos, pois naqueles tempos em tudo se reparava, até porque havia muito menos gente, existindo ainda uma coisa chamada vergonha.) Imaginem!


A VACA QUE RI

Vi-te almoçar mioleira com os amigos, em directo para a televisão, banqueteados ao redor de uma longa mesa, que se estendia através de um corredor bem iluminado por belos lustres, e todos estavam muito bem, usando gravata, microfones acolchoados e botões de punho de marca. Estavam contentes e contundendes, entoando cantos nórdicos, monocórdicos, sintomáticos de quem toma duche diariamente em hotéis de cinco estrelas, guardado por gorilas acéfalos, e transportado em limusinas liminarmente pretas, conduzidas por motoristas brancos barrigudos, que fumam marijuana às escondidas dos adversários, enquanto lá fora, um milhão de loucos maníaco-depressivos atravessam as ruas da cidade com as vacas à arreata, enchendo tudo de bostas para grande espanto nosso...

- Que garantias nos dão? Que garantias nos dão? Quais os miolos que funcionam melhor, os das vacas brancas ou os das vacas pretas? Sondagem! Faça-se uma sondagem, já! – gritavam desesperados. Aproxima-se a polícia, mocada p´ra cima, um auto-tanque com as respectivas agulhetas vai dando banho aos bichos, aos donos dos bichos e à estrada merdosa, enquanto frente às câmaras da TV, no interior, os corajosos que pretendem dar o exemplo, continuam a banquetear-se com mioleira (sim, a mioleira é saudável, vão afirmando), bem regada com cerveja a copo de forma a transmitir um ar mais popularucho...

Um grupo de anarquistas vegetarianos com as bandeiras negras desfraldadas, surge agora, gritando palavras de ordem contra os hamburgers e contra quem os consome: mocada p´ra cima, dispersam largando tudo e escorregando entretanto nas bostas. A alguns transeuntes curiosos que ousam abrandar o passo, mesmo mantendo uma respeitável distância, água p´ra cima, e aí vão eles de roldão pela rua abaixo. «Ena caramba!» exclama um deles enquanto foge a sete pés, «a última vez que assisti a isto foi em Vila Franca de Xira numa largada, mas isto é muito ,mais divertido ». Alguns já apanham pedras da calçada ou restos de bostas, arremessando tudo contra a barreira da polícia que continua a carregar, ouvindo-se vidros estalar , havendo gente de mãos na cabeça. Uma vaca entra numa pastelaria, mas lá dentro ninguém quer saber, pois todos os olhares estão colados ao écran da TV, num canal que transmite um importantíssimo jogo da Primeira Liga de futebol.

Cai a noite e faz-se silêncio. O jogo correu mal, as vacas tresmalharam-se, a polícia regressou à esquadra humilhada, vilipendiada e a cheirar mal. Os donos dos animais regressaram às suas herdades cheios de desalento e amargura, mortificados e espezinhados, após terem apanhado uma enorme bebedeira de jeropiga.

Já tarde, observo-te na TV : anuncias as normas, procedes a uma declaração formal, estás com olheiras. – “- É proibida a partir de agora, a venda para consumo, de vísceras de bovinos, etc., etc., etc.”

Meu Deus! Sinto-me verdadeiramente desmiolado. Ainda por cima detesto mioleira. Acabo por beber um grande gole de bagaço e decido ir dormir, pois devo estar louco. Enfin c´est la vie.

Nota: a presente história teve lugar em ano incerto, durante a polémica com as vacas loucas, o ministro da tutela – que já não me recordo o seu nome – os produtores, os infiltrados de sempre, e , é claro, nós os transeuntes...

sábado, 21 de maio de 2022

[0130] Dois textos de José Manuel Oliveira (2)

DEPRESSÕES...

Durante uma revisitação aos chamados filósofos “neo-platónicos” de Alexandria, fiquei a saber que o fundador daquela corrente, Plotino, nascido de pais romanos no Egipto cerca de 203/4 d.C., tinha como discípulo principal e seu devoto seguidor Porfírio, o qual escreveu uma biografia do grande filósofo assim como igualmente transmitiu os seus escritos, ficando a dever-se-lhe em parte o pouco que se conhece a seu respeito. Ora, em 268, segundo se consta, Porfírio caiu numa enorme depressão, chegando mesmo a desejar suicidar-se, ao que teria sido dissuadido por Plotino, que o mandou ir “dar uma volta”, conselho que seguiu, resolvendo tirar umas férias na Sicília...Nada melhor, hem? Só que foi num retiro... nem pensem que havia casinos!

Precisamente por a mesma altura em que investigava estes registos, e durante uma ida à rua em direcção ao café, fui abordado por duas simpáticas senhoras junto ao edifício da C.G.D., que me perguntaram se eu tinha problemas de depressão, se conhecia alguém que tivesse, até mesmo se tinha conhecimento de algum caso próximo ou familiar, ao que eu respondi que não senhora, tendo elas de seguida estendido na minha direcção um ou dois pequenos panfletos, ao mesmo tempo que perguntavam: "Já conhece esta revista?" Voltei a responder pela negativa. "Não quer ficar com uma?" Muito obrigado, agradeci educadamente, e lá segui caminho. 

Ao que parece, o problema é muitíssimo antigo, pensei, embora já o soubesse. O que acontece porém, é que durante os últimos tempos, independentemente do tipo de civilização (errada) que se criou, a coisa agravou-se muitíssimo devido à desregulação psicossocial instaurada durante e após a pandemia, tal como a perda do horizonte referencial da chamada realidade e também da história, a qual como se sabe acabou. É que agora encontramo-nos no absoluto da simulação, e quem não estiver preparado para isso está em constante estado de choque  se assim me posso exprimir, pois já não há o Mito a que se possa recorrer como catarse (ficou do outro lado da história), e por conseguinte as massas caíram nas redes.

No entanto, penso que já anteriormente e por razões que desconheço, a “febre” das viagens atingiu níveis inconcebíveis. Basta atentarmos um pouco (escassos minutos) num programa televisivo muito popular como o «Jocker», para desde logo verificarmos o fenómeno, logo que o divertido apresentador do mesmo se atreve a perguntar a algum(a) dos concorrentes o que fariam com determinada quantia em dinheiro, caso ganhassem. A resposta –  invariavelmente e com raríssimas excepções – é imediata: "Uma viagem". 

Se há coisas com as quais não gosto de brincar, evidentemente, é com as depressões dos outros, ou de todas as pessoas que eventualmente as possam vir a ter...

Contudo, isto levou-me a pensar que efectivamente, ou anda tudo deprimido, ou há aqui uma enorme coincidência de desejos...

Agustina Bessa Luís disse um dia, já não sei bem em que contexto, que “As agências de viagens foram feitas para pessoas infelizes” , e eu, embora possa parecer suspeito devido ao facto de não atribuir qualquer espécie de importância a viagens, estou absolutamente de acordo com a ilustre escritora. Acontece que tenho um conceito de viagem, no meu caso, é claro, talvez mais próximo do sec. XIX, onde as verdadeiras viagens eram difíceis e atribuladas, os próprios meios de locomoção bastante mais raros e lentos, a própria preparação muito mais empolgante, as expectativas maiores, e os trajectos muito mais imprevisíveis : eis a ideia de viagem que eu tenho. Um jipe, uma expedição, enfim uma verdadeira aventura. 

Hoje em dia torna-se para mim um verdadeiro suplício dirigir-me a um aeroporto, onde tenho de aguardar horas numa fila, até que uma determinada barraquinha de terminal resolva abrir um janelo, - os funcionários escasseiam -  para de seguida ser encaminhado através de ínvios corredores com bichas em caracol, para no final de tudo isto ser apalpado, despido, passado a pente fino, sendo despojado de tudo o que brilhe ou que tilinte, para de seguida correr como um louco atrás dos meus haveres com medo de os perder de vista, como se tudo aquilo fosse uma espécie de “jogos sem fronteiras” para atrasadinhos mentais. Uma humilhação, eis as viagens de hoje, que eu sinceramente abomino. Passo em branco a hipótese de uma greve, pois aí tudo o que atrás mencionei será agravado e dilatado até aos limites da estupidez...

Mas entretanto afastámo-nos do tema principal, ou seja, das depressões, desde a época do Porfírio até à nossa pelas mais diversas causas, ou talvez não. Vistas bem as coisas estão relacionadas desde a antiguidade mais remota com as viagens. 

Depois, é claro que existem diversos graus onde todas estas coisas se encadeiam, e iremos sempre encontrar pessoas que até mesmo pela sua condição profissional têm necessariamente de viajar em serviço, ou ainda outras que poderão ter escolhido um destino cuja finalidade não é propriamente a viagem em si mas a estadia durante um determinado período num lugar qualquer dos seus sonhos ou da sua preferência para descansar, o que é sem dúvida um direito inalienável.

Talvez o que mais aflige, seja realmente o caso daqueles que andam constantemente a fugir de si  próprios, com enormes dificuldades em se confrontarem, pois aí reside o problema e as causas das depressões. É que se não se confrontam com o problema sentados no sofá lá de casa, ou diante de um simples copo, não será na Tailândia nas Maldivas ou na Austrália que se verão livres dele, por mais diversificada que seja a paisagem em seu redor, por mais rajadas de selfies que disparem ou pastilhas anti-depressivas que tomem. 

Repentinamente, não sei bem porquê, veio-me à  memória uma cena do filme “Blow Up”, durante a qual um grupo de jovens no interior de um ringue ao ar livre está a jogar uma partida de ténis imaginária, seguindo os movimentos da bola (inexistente) com a cabeça. Às tantas dirigem o seu olhar para o exterior, tal como se a dita e hipotética bola tivesse saltado a cerca de rede em volta indo cair aos pés do actor principal, um fotógrafo que na altura por ali passava, ficando todos na expectativa para que este lhes fizesse o favor de lhes devolver a bola que não existiu nunca. Ou será que para aquela gente existiu? O que estava do lado de fora, percebendo, entrou no jogo, simulou o gesto de quem apanha um objecto do chão, e esticando o braço arremessou a bola para o interior do ringue, tendo o jogo continuado. Isto tudo, sempre em silêncio. 

Neste momento, nós somos o tal fotógrafo  que ia  passar. Ou entramos no jogo e percebemos o que se está a passar ou corremos o risco de entrar em depressão...porque se a “realidade” era assim naqueles anos, a realidade para muita gente nos tempos que correm , quer tomem quer não tomem pastilhas, pode ser ainda mais complicada, mais ainda quando cada um de nós tem a nossa... 



[0129] Dois textos de José Manuel Oliveira (1)

ACERCA DAS GUERRAS E DOS SALTOS NO TEMPO

Segundo está testemunhado, Frínico parece ter realizado “directos” no decurso das chamadas “Guerras Pérsicas”. Era amigo de Timóteo (446-357 a.C.) que como se devem recordar é considerado o primeiro poeta trágico, assim como de Eurípides, um verdadeiro intelectual de esquerda da mesma altura. Recordo-me vagamente de ter assistido a uma grande reportagem daquele no decurso das mesmas guerras, durante a qual o sol ficou literalmente encoberto devido ao número impressionante de flechas arremessadas de um lado e de outro, embora não me lembre de o ter visto nas televisões envergando a tarjeta «PRESS». Durante esse período, se bem me recordo, andava eu envolvido involuntariamente numa outra guerra nas imediações de Oríon, para ser mais preciso em Betelgeuse (cerca de 300 anos-luz da Terra) devido a um mal-entendido entre rigues e starmen, não me sendo de todo agradável ter de dialogar com uma espécie de santola, a qual de pé atinge o tamanho de uma porta, e com a qual apenas me posso entender através dos múltiplos movimentos dos seus tentáculos.

Mas agora era altura de vocês dizerem : “Que diabo, mas não és tu que dizes que não vês televisão??!...

Afirmativo, afirmativo, o que se passa é apenas isto: É que se estão a esquecer que quando vou almoçar fora, normalmente ao “À volta cá te espero”, mesmo que não queira, tenho perante mim todas aquelas degradantes imagens de uma “guerra”, ou melhor dizendo, de destruição, ruínas, explosões e chamas, e mais ainda toda aquela panóplia de entrevistas aos desgraçados que ainda por ali vão deambulando ao papel e às apalpadelas, imagens essas tão edificantes como devem calcular, para quem está a comer uns carapauzinhos fritos com açorda à mesa lá do canto...

Bem me esforço, porém não consigo vislumbrar Frínico de microfone em punho, com a tal tarjeta «PRESS» pregada no peito. Será que foi noutra guerra e eu já estou confundido? Mas como assim se ainda só vou no primeiro jarro de tinto?

Por vezes chego a pensar se desta vez não teria “saltado” para o século XIX do oeste americano, e se não estaria Frínico escondido por detrás de um poste, aguardando ansiosamente aquele célebre embate entre o Kirk Douglas e o Anthony Queen em “Gun Hill” ("O Último Comboio"). Sim, esse mesmo, no qual quando o comboio chega à estação imobilizando-se entre enorme suspense, o duelo torna-se inevitável (neste caso parece ter vencido a justiça, outros tempos...), já não me recordo lá muito bem, é que entretanto vou no segundo jarro e perdi a memória que certamente deve ter ido à casa de banho...

Prática: Penetrar num dólmen que pode ser “portal” para outro universo. Nem todos o são. Depois apenas temos de “apanhar” o estado mental adequado. 



quinta-feira, 14 de maio de 2020

[101] Novo colaborador nos CTP, José Manuel Oliveira leva-nos até Marte

MARTE
«Saber sem imaginação não passa de fita gravada.»
Agostinho da Silva

José Manuel Oliveira
“Então, um deserto vermelho...”

Estou de férias em Ars Vallis, um ponto no hemisfério norte de Marte, o qual não se consegue distinguir daí. Vim à boleia, através de uma nave chamada “Pathfinder” lançada pelos Estados Unidos em 1996 e torna-se difícil, mesmo penoso, procurar explicar tudo isto, como o consegui, quantas vezes tive de passar despercebido através de vários gates, convencer o chefe da NASA, um velho amigo meu da tropa, ou se estou a fantasiar  (para os mais cépticos), ou a aldrabar (para os mais sérios e ajuizados), porém o que é certo é que uma parte de mim continua por lá, tendo a outra regressado aqui à Terra no ano de 2001, daí o meu agora crescente fluxo de escrita enviado aos amigos ultimamente, diante de uma situação bastante mais caseira, pelos tristes e aborrecidos motivos que já todos conhecem.

Mas o mais interessante do caso, é que, enquanto por lá andava, enfiado numa tenda em formato de iglu, dias e dias a fio, alimentado a tabletes de amendoim, pastilhas vitamínicas e sumo de beterraba, a fazer chi-chi para uma garrafa de água das pedras, e já meio enfastiado por fixar o olhar durante horas e horas num pequeno écran que varria consecutivamente o espaço em redor de Andrómeda, procurando o mais pequeno indício de vida inteligente, (sei que vocês estão aí) aconteceu qualquer coisa de inesperado que, primeiro me deixou atónito e estarrecido, para logo de seguida me fascinar e a respeito do qual ainda hoje não me encontro lá muito bem certo, acerca da sua qualidade física, onírica ou imaginária.

Encontrando-me eu certa noite a dormitar, -  um sono dúbio muito ao de leve - surgiu diante de mim no interior da tenda, uma coisa que definiria mais ou menos como um quadro ou um objecto de Duchamp, entre o chamado “moinho de café” e um espelho com pernas: a coisa era como se fosse uma imagem holográfica que parecia palpitar, umas vezes de contornos mais nítidos e definidos, outras vezes parecendo quase evanescente a ponto de se esbater de encontro às paredes da tenda, e apresentando bem no seu centro um mostrador através do qual pareciam surgir, primeiro muito rapidamente uns hieróglifos, antecedidos por uns gatafunhos saltitantes prateados (a coisa procurava ler os meus pensamentos) e logo de seguida uma mensagem bastante nítida escrita em inglês correcto:  “Follow Me Now!”. Não tive qualquer dúvida de que se tratava de uma ordem superior e aceitei o desafio. Ergui-me lentamente, como se uma estranha e hipnótica força comandasse os meus movimentos,  procurei o fato pressurizado que utilizava durante curtos passeios no exterior, (há muito que estou habituado a andar mascarado) e saí para aquele deserto vermelho que já conhecia razoavelmente das anteriores imagens enviadas pelas naves “Viking” – ou julgava conhecer – antecedido da coisa que afinal de contas poderia muito bem ser mais um robot enviado para ali há muito, uma jigajoga mais actualizada, afinal nada de espantoso para os nossos dias, embora não tivesse sido informado daquela eventualidade por parte dos meus mecenas da Terra, nem jamais alguém me tivesse apresentado a criatura.

Para mim, Marte continuava a ser aquilo que sempre fora até aí, tanto para robots dotados de excelentes câmaras, como para os experts aí em baixo,  isto é, um infindável deserto de torrões vermelhos, uma montanha considerada a maior do Sistema Solar, o “Monte Olimpo”, que era um vulcão de uns 27 Km de altitude, mas que não se encontrava perto dali e, claro, imensas crateras e canais que indiciavam já ter existido água à superfície, pouco mais se avistando. Era considerado até agora como um dado adquirido não existir de todo vida em Marte e por conseguinte, aquela criatura só poderia ter saído de alguma linha de montagem na Terra... 

Segui então de perto o meu guia, estava fresquinho cá fora (o meu visor indicava uns vinte e tal negativos) até que passados cerca de seiscentos metros em relação à minha tenda, aquela coisa parou, iluminou-se-lhe subitamente o visor, surgindo bem no seu centro uma figura geométrica de alguma complexidade, várias e coloridas tonalidades, pulsou uma luz intermitente no centro de um círculo atravessado por várias rectas e, como que por milagre, do solo ergueu-se um enorme portal (tampa rectangular da côr do ferro), deixando à vista uma abertura do mesmo formato. Aproximei-me, e foi então que obtive a visão daquilo que se me afigurou ser uma enorme cidade brilhante e colorida, a qual se estendia ao longo de um enorme vale e perfeitamente encaixada numa colossal cratera rochosa, (se desejam uma imagem aproximada que vos possa ajudar, procurem visualizar aquele quadro do Lima de Freitas “Galafura”). Um caminho que me pareceu empedrado, descia suavemente até lá, pelo que a desengonçada criatura me fez seguir por aí os seus passos.

Digamos que se encontrava a cerca de dois quilómetros, o que estava perfeitamente dentro das possibilidades do meu equipamento. Durante o trajecto procurei, em inúmeras ocasiões, entabular qualquer espécie de diálogo na língua inglesa com o meu guia, porém sem qualquer resultado. Até que chegámos diante de uma coisa que se assemelhava a um pórtico descomunal, tendo apenas observado em toda a minha vida algo de semelhante em fotografias do antigo Egipto, ou na cidade submersa de Herácleon. A coisa uma vez mais, estacou diante do que parecia ser uma entrada em ferro, os seus circuitos brilharam intensamente e, abrindo-se um portão, surgiu do seu interior uma figura humana de mediana estatura, barba hirsuta e cabeça coberta por uma espécie de boina negra e longa que parecia de flanela. Tratava-se de um homem que segundo as minhas estimativas aparentava andar na casa dos seus trinta e tal anos, aspecto saudável, trajando à moda do Renascimento, pelo menos assim me pareceu, apesar do meu estado mental confuso e quase incapaz de reter quaisquer espécie de pormenores ou detalhes. Quando me voltei para trás, o meu “guia” mecânico pura e simplesmente tinha desaparecido, o que não só aumentou o meu desconforto, como me levou a despoletar diversos pensamentos ao mesmo tempo, nomeadamente a calcular a forma de regresso à minha tenda na superfície, fazendo o caminho de volta, quem me abriria a enorme passagem no solo e o que iria suceder no entretanto. Todas essas coisas quase me faziam estalar a cabeça, até que o meu hipotético anfitrião, percebendo a confusão em que me encontrava, simulou um gesto de forma a fazer-me entender que agora podia retirar o capacete sem qualquer perigo, apontando para si próprio e desenhando um gesto largo p´lo ar à sua volta. Hesitante, lá me convenci, ficando com a cabeça a descoberto. Nada se passou, era como se estivesse na tenda, e o ar parecia-me de facto respirável. Foi então que, aproximando-se de mim me estendeu a mão determinado, olhar franco e amistoso e atirou num português correcto: “Bem-vindo a Marte!”



Apertámos as mãos, atirando-lhe eu logo de seguida: “Agradecido. Mas quem é você, o que faz aqui e o que significa tudo isto? - “o meu nome é Gaspar, Gaspar Corte Real, e o que aconteceu é uma longa história, que poderei certamente contar-lhe mais daqui a pouco...”.  Mas, oiça, eu tenho pouco tempo de autonomia, - procurei explicar-lhe - eu vivo em função deste equipamento e tenho de regressar à minha tenda, na superfície, dentro em pouco. Compreende isto ? ” – “Acalme-se , tudo se arranja.Siga-me!”. 

Foi então que percorremos alguns metros e penetrámos no interior de um edifício idêntico a muitos outros existentes na Terra, como se se tratasse de algo entre um enorme refeitório e um snack-bar. Mandou-me sentar numa das muitas mesas, perguntou-me se desejava tomar uma bebida ou comer, ao que eu lhe respondi que não, muito obrigado, levantando-se não obstante, aparecendo logo de seguida acompanhado de dois copos de rum escuro. Colocou um dos copos na minha frente e disse - “Perdão, mas espero que aprecie isto.” – “Não tenho bebido ultimamente, como deve compreender, mas está bem, aceito de boa vontade.”  

Olhei em meu redor, tendo verificado com algum espanto que nas mesas à volta, embora a uma distância apreciável, assim como ao balcão, se encontravam as mais díspares figuras, trajadas das mais estranhas maneiras, homens e mulheres, as quais dificilmente poderia de um só golpe de vista, definir com exactidão. Algumas dessas figuras fumavam até desalmadamente.

O meu interlocutor fixou bem o seu olhar no meu e atirou: 

- Você estudou alguma coisa daquilo que vocês chamam na Terra, História?

- Mais ou menos, sim!

- Deve recordar-se então que nos finais do século XV os Corte Real, empreenderam diversas viagens até um local chamado de Terra Nova, cerca do Polo Norte da Terra!? Pois bem, eu pertenci a essa mesma família, primeiro foi o meu pai acompanhado por alguns amigos, o João Fernandes, o Álvaro Ornelas, Pedro Barcelos entre outros, que rumaram a essas regiões com algum sucesso, tendo regressado todos bem, e mais tarde, passados um ou dois anos, fui eu que acompanhado pelo meu irmão Miguel, resolvemos procurar ir mais além um pouco. Nós, os portugueses, sempre assim fomos. Aconteceu que conseguimos atingir um local onde havia um imenso deserto de gelo, tendo o nosso navio encalhado irremediavelmente. Ao fim de uma quinzena de dias, encontrávamo-nos num estado lamentável, já sem mantimentos e água, tendo parte da tripulação morrido ali mesmo no local. Tendo ficado inanimado, quando acordei, o meu irmão Miguel tinha desaparecido, não o voltando a ver. Foi então que vi aquilo, era como uma enorme cidade que pairava a uns metros do chão, naquele caso, do gelo. Emitia um clarão de tal intensidade que sempre pensei que iria ficar cego ali mesmo. Caí de novo inanimado, e quando acordei, não tinha a certeza se estaria morto ou vivo, pois encontrava-me deitado numa cama de tal maneira confortável, como nunca tinha visto ou sentido em toda a minha vida. Olhei em redor e pareceu-me estar num quarto fechado sem janelas para o exterior, paredes claras ligeiramente iluminadas, embora sem qualquer fonte de luz à vista,  sentindo apenas um leve e distante zunido, era como se estivesse numa cripta. Abriu-se então uma escotilha e foi então que eles vieram até junto de mim, acalmando-me, e procurando explicar-me não sem algumas dificuldades inerentes a conceitos científicos para mim (homem do sec XV) totalmente desconhecidos, como podemos saltar as chamadas linhas temporais que nos separam, atravessando épocas históricas tão remotas e diferentes, assim como a consecutiva confusão e perturbação que isso nos poderá causar, ao ponto de nos confrontarmos com situações e fenómenos de uma tal singularidade e magnitude, jamais por nós (humanos) imaginados. São os chamados “universos paralelos”. Já lhe direi quem eram estes «eles». Existe por exemplo uma teoria, que diz termos todos nós em qualquer recanto do Universo, um chamado “sósia”, o qual, mais tarde ou mais cedo irá inexoravelmente cruzar-se connosco. Irei em breve apresentar-lhe o seu, pois ele também se encontra por cá. Nada tema porque é o outro eu de si, já tive o meu próprio confronto e sobrevivi, trata-se de uma curiosa experiência, mas vamos guardá-la para mais tarde visto você ter de regressar em breve à sua tenda. 

Agora, vou contar-lhe como tudo isto funciona, visto você estar um bocado confuso: pois bem, levanta-se da mesa e vais buscar mais dois runs, acenando de caminho a uma jovem loira de tranças,  deveras atraente e de aspecto viking: 

Estas criaturas, tal como aquela que o trouxe até aqui, são máquinas, e foram elas que me resgataram igualmente da Terra, tal como já lhe relatei, quando do meu naufrágio ao Norte daquilo que vocês hoje chamam Estados Unidos. Têm a capacidade de tripular e conduzir naves como a que lhe descrevi há pouco, porém apenas no interior do nosso Sistema Solar, as de longo curso, isto é, do Espaço Exterior, essas é que são tripuladas pelos Senhores, chamados Santini, assim como de comunicar com quem entendam, na própria linguagem do contactado, tratando-se de máquinas de alguma complexidade. Assim me descreveram - o mesmo acontecendo em relação a todas as pessoas que aqui se encontram -, o que significa tudo isto e quem são os seus superiores hierárquicos. De facto eles encontram-se ao serviço de uma Civilização situada a vários anos luz daqui, a qual estuda minuciosamente a espécie humana em diferentes ciclos e épocas, sempre em plena liberdade. São máquinas que foram postas ao nosso serviço, podemos dizer “dóceis” embora se encontrem totalmente isentas de sentimentos, claro.

Foi assim que ficámos a saber que Marte já foi a nossa casa, quando os continentes da Terra ainda se encontravam em fase de definição, sendo a nossa primeira colónia lá instalada, situada no Continente da Atlântida, o qual mais tarde se afundou. Sim nós humanos somos muitíssimo anteriores à Terra, assim como a história da nossa génese, é muitíssimo diferente daquela que vos é ensinada, havendo por aqui ainda vestígios arqueológicos - como pôde verificar quando o robot o conduziu até à entrada da cidade  – desses tempos. 

Aqui todos nos encontramos instalados como se estivéssemos numa moderna cidade da Terra, tendo sido recriada uma ambiência perfeitamente normal para todos, visto eles desejarem intensamente que todos sejam felizes. No entanto esta é apenas uma entre outras grandes cidades existentes no interior de Marte, lamento não podermos visitar as outras – toma mais um? desculpe-me.

- Nem mais nada, por favor peça à máquina para me vir buscar imediatamente, tenho apenas mais quinze minutos de autonomia. Não sei que dizer...

- Muito bem, peço-lhe só que não fale sobre isto quando comunicar com a NASA, de contrário estaríamos todos perdidos. Confio em si, voltaremos a encontrar-nos daqui por dois dias terrestres, gostaria de o apresentar ao seu sósia. Agora vamos. 

Sem sobressaltos, acompanhou-me até à saída, e, para meu alívio imediato, lá estava o robot que me levou de novo e pelo mesmo caminho, até à superfície.

Passaram-se cerca de três dias, durante os quais aproveitei para confirmar através de intensa pesquisa, as viagens dos irmãos Corte Real, tendo até obtido a curiosa informação de que o Miguel, teria sido mais tarde encontrado na zona de Providence, como chefe de uma tribo de índios, porém tive a vaga sensação de que Gaspar não queria tocar no assunto e não insisti em lhe falar no caso. Havia ainda um irmão mais velho, o Vasco, o qual ainda tentou ir no encalço dos irmãos, contudo parece ter sido impedido por parte do rei.

Chegou o nosso amigo robot durante uma tarde em que eu resolvi dormir uma sesta, e, uma vez mais, emitiu o desejo por parte de Gaspar, de me voltar a ver agora, informando-me  disso desta vez através do seu sistema sonoro e em bom português.

- Muito bem, disse satisfeito, vamos então, irei desta vez regular o equipamento para seis horas terrestres e podemos ir. 

Tal como anteriormente, Gaspar Corte Real veio receber-me ao portal, cumprimentámo-nos e lá seguimos caminho, desta vez até um outro edifício mais pequeno, tal como um gabinete médico. 

- Bom, irei agora apresentar-lhe o seu sósia, Jocé. Trata-se de uma experiência emocionante, e por conseguinte, procure manter-se firme e sereno. – formalizou um gesto em direcção à porta, e eis que surgi de lá eu, fora de quaisquer dúvidas, com o pequeno sinal negro que sempre mantive no pescoço, cabelo cortado curto (tipo astronauta), sorriso aberto e meio divertido, estende-me a mão e diz: José Manuel de Sousa e Oliveira, és tu mesmo, tal como imaginava.

Foi então que reparei naquilo. Tudo estava certo ao pormenor até ao mais pequeno detalhe, porém, com uma diferença, que me fez estremecer: o outro eu usava uma máscara a cobrir-lhe o nariz e a boca. E foi aí que decidi voltar novamente para a Terra. Levantei-me de um salto e gritei: “OH, NÃO! Mais máscaras, não!” E saí porta fora. Foi então que a minha mulher me acordou dando-me uma forte cotovelada. Estavas a sonhar ou foste outra vez à garrafa de rum?