ERA UMA VEZ O JOÃO...
– Canta connosco as nossas cantigas – diziam-lhe os amigos. Ele bem se esforçava, mas não soava um som.
Um dia acordou e decidiu: quero aprender a cantar. Saiu de casa e pôs-se a caminho, à procura do que queria.
Meteu por um bosque.
– Dóó, dóo, porque andas tão só? – rangeram os ramos das árvores, balouçando-se ao vento. O João inquietou-se e fugiu dali.
Meteu por um campo.
– Réé, réé, rée… – ressoou a erva alta, onde conversavam as cigarras. O João, com receio de pisá-las, atravessou-o em bicos de pés.
Meteu por um regato. Ia distraído e só reparou que se molhava quando ouviu rir:
– Mihihihi…hihihihi…
– És tu que ris? – perguntou o João à água que corria.
– Sou eu, o Mi, não sou a água, mas brinco na água e com quem passa por aqui. – O João riu e despediu-se do Mi.
Meteu por montes e vales. Por toda a parte acompanharam-no dois gaios, um verde e um amarelo, que assobiavam:
– Fá, sol! Fá, sol! Fá, sol! – o João tinha vontade de assobiar com eles, mas não se atrevia a experimentar.
Meteu por um canavial. Cortou uma cana, talhou uma flauta e soprou.
– Lá, si! Lá, si! Lá, si! – soou a flauta. Que voz tão rachada, pensou o João, até eu soo melhor. E, sem se lembrar de que não sabia cantar, cantou:
– Lá, si… lá, si, dó… lá, si, dó, ré, mi, fá, sol… – e continuou.
Chegou a casa de noite. Os amigos, que estavam em cuidados, ouviram cantar e vieram ver quem era. Viram o João. Cantava uma cantiga com florestas, cigarras, regatos, gaios, canaviais…
Quando acabou, disse:
– Encontrei a minha canção, já sei cantar. Agora podemos cantar juntos as nossas canções.
E cantaram.
Novembro 1986
José Malhoa, "Gritando ao rebanho", 1891 |
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