A minha mãe trabalhava a terra, de sol a sol, e tinha as mãos calejadas e unhas negras, tal como a maioria dos habitantes da aldeia.
Os terrenos onde amanhava a terra situavam-se a pouca distância da taberna da aldeia onde, todos os dias, religiosamente, o meu pai costumava embriagar-se.
Ao contrário das outras famílias, geralmente bastante ruidosas e numerosas, nós éramos apenas três e vivíamos da bondade alheia.
Se minha mãe tivesse de alimentar mais do que um filho, teria que lhe dar a comer a própria terra que pisava.
Ainda assim, engravidou tantas vezes que deixou de as contar.
Em boa verdade, cada vez que descobria estar prenha, abortava, pois conhecia as plantas e ervas medicinais que o propiciavam. Ela mesmo tratava do assunto, sem se queixar.
Minha mãe era moída por pancada, sempre que não cumpria os seus deveres conjugais.
Sou observadora.
Cresci a vê-la tratar do assunto, seguindo os seus gestos, como rituais profanos.
Cada um dos meus genitores, era de poucas falas e eu agradecia o silêncio que me ofereciam.
Há quem tenha o dom da palavra, o que não era o caso de nenhum deles. Aliás, ao meu pai só conheci o dom de beber, e à minha mãe o de levar porrada no lombo sem se queixar.
Ela, azeda, de olhos embaciados, dizia-me em jeito de explicação: "- A boa mulher tudo suporta, chegará a tua vez."
Era como se desfrutasse por antecipação da imagem que fazia do meu futuro.
Eu não suportava ouvir as suas palavras cruéis.
Um dia, alguém bateu à porta, de forma insistente.
Fui eu que abri, timidamente.
Era a grande sacerdotisa mãe, que queria levar-me como aprendiza.
Falou com o meu pai, assegurando que o ofício de curandeira seria adequado.
Mas este, sentindo-se desrespeitado, retorquiu prontamente que nunca autorizaria.
A sacerdotisa insistiu em fazer negócio com ele, mas a resposta foi a mesma.
- Não e não!
-E se lhe oferecer do vinho sacro?
Acordo fechado!
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